(Crônicas de uma Pandemia – Duzentos e Oitenta e Oito Dias)
Sobrevivemos, uma retrospectiva.
Esse é o resumo do que foi o ano que termina por esses dias. Assim como em todos os anos, mas mais do que nunca, a mudança do ano é apenas uma formalidade de calendário, o dia primeiro de janeiro sendo igual ao trinta e um dezembro. Entraremos 2021 com todo o peso do ano que termina.
O ano da peste, versão século XXI.
Não pretendo revisitar o ano que termina. Não vou falar de lockdown, distanciamento social, lavagem de mãos, álcool gel, máscaras, contactantes, grupos de risco, UTIs lotadas, tratamento precoce ou vacinas. Não quero falar de politização de assuntos médicos, do uso do nome da ciência para defender medidas sem comprovação. Não vou falar de negacionismo, terraplanismo, crise econômica, desemprego, gripezinha, histeria coletiva ou fim do mundo. Twitter, Facebook ou TikTok. Não, não quero e não vou falar de nada disso.
Vou falar do que houve de bom.
E, como sabem todos que aqui me leem, esse é um espaço onde falo de mim, do meu umbigo, do que penso e de como vejo o mundo. Portanto, e para que fique bem claro, quando falo de mim não estou negando ou não reconhecendo ou diminuindo de maneira alguma o sofrimento alheio, não estou deixando de ser empático ou solidário. Apenas não é esse o espaço para isso. Aqui sou apenas eu em frente a um espelho imaginário, onde está refletido o que vejo e o que sou. E, como em um espelho, o foco está em mim, apenas.
Dois mil e vinte.
Fevereiro representou o último mês do meu “ano sabático”, em que havia decidido focar o meu trabalho apenas em meu consultório, em meus pacientes. Sem vínculo empregatício algum, pela primeira vez como profissional liberal puro. Após o verão, de curtas férias e baixo movimento de consultório, Março seria o mês em que as coisas “deslanchariam”.
Só que veio a COVID-19.
Os primeiros casos no Sul do Brasil levaram a um pânico generalizado e ao fechamento de tudo, escolas, comércio e restaurantes, entre outros, como todos sabem. Como pneumologista, preparei-me para pior: imaginava o consultório lotado, pacientes e pacientes, mesmo que não fosse atuar diretamente na linha de frente. Só que não foi bem assim.
Seguindo as recomendações de ‘fique em casa’, os pacientes desapareceram (os regulares) ou não surgiram (os doentes de COVID). O movimento caiu muito por meses, e se não fosse uma reserva de emergência que havia criado nos últimos poucos anos, teria sido bem difícil. Ao longo do ano, contudo, e principalmente agora nos últimos dois meses de 2020, a tendência inverteu e – para ser honesto – nunca atendi tantos pacientes no consultório como por esses dias.
Com isso, poucos pacientes nos primeiros meses de pandemia, e restrições de circulação, e começo a falar do que foi bom nesse maluco ano, passamos muito mais tempo em casa. Nunca almocei tanto em casa quanto nesse último ano, não estivemos tanto tempo juntos com a Marina, em quantidade e qualidade. Foi um ano de convívio familiar muito mais intenso, e foi muito bom neste sentido. Mesmo com o pouco contato pessoal com o restante da família, a tecnologia serviu para nos vermos e conversarmos virtualmente quase todos os dias. Se não preenche, ao menos ameniza a ausência.
Maior tempo em casa, menores deslocamentos, tudo isso significou também maior dedicação a outras atividades, como escrever e estudar. Além do cuidado com a saúde e forma física. Perdi 18kg no último ano, a maior parte de março para cá, com pequenas alterações na dieta (diminuindo bem pouco a quantidade) e com muita atividade física. Além da academia, de segunda a sexta-feira, que mantive mesmo quando minhas atividades profissionais reduziram em muito o meu tempo disponível, esse foi um ano de pedalar muito mais que o no ano anterior. Resultado disso: menor peso, menor percentual de gordura corporal, mais disposição, melhora de autoestima. Tudo isso em meio à pandemia.
Em julho, após reencontrar uma ex-aluna em uma reunião virtual, e depois de dois anos fora da vida acadêmica, senti vontade de retomá-la. O timing foi perfeito, e em agosto retornei à Universidade, e dessa vez – apesar de não ser (ainda) em Porto Alegre – fica apenas a trinta minutos de casa...
Acima de tudo, o meu ano da peste de dois mil e vinte foi um ano de desaceleração, de ter mais tempo de olhar a vida com mais calma, e de estar mais próximo – mesmo que virtualmente em alguns casos – daqueles que são importantes.
A expectativa de que a vida, o mundo com um todo, retome um ritmo mais normal, continua. Enquanto isso, vamos vivendo um dia após o outro, fazendo o que podemos e ajudando quem podemos. Cada um tentando (deveria, ao menos) colaborar do jeito que dá.
E assim seguimos.
Bom 2021 para todos nós.
E que o próximo ano seja um ano de reencontros.
Até.