A Viagem (21).
Relembrando...
Já era aproximadamente 16h quando começamos a realmente subir a montanha, em direção ao Passo Sella, o ponto alto, em termos de altitude, do dia e da viagem, até onde iríamos para depois descermos e irmos para Meltina, como eu já disse, meio que no meio do nada.
Ortisei está situada a 1230m de altitude, e o Passo Sella a 2218m, e a distância que os separa é de pouco menos de dezessete quilômetros. Subiríamos, então, praticamente um mil metros numa distância relativamente curta, o que significa, estradas estreitas e várias tornantes.
A tornante, curva também chamada de torniquete ou curva de retorno, é a seção curvilínea de uma via rodoviária ou ferroviária, cuja projeção horizontal tem um ângulo central próximo a 180 °, com uma média similar a uma semicircunferência. Ela se faz necessária em caminhos que se juntam a lugares com uma grande diferença de altitude, para juntar duas linhas retas sem aumentar excessivamente a inclinação longitudinal. Também chamada de hairpin (e lembro da Fórmula 1) deriva do fato de que as duas curvas juntas por este tipo de curva possuem um padrão aproximadamente paralelo e, consequentemente, aqueles que seguem o padrão estão em cada retângulo na direção oposta à anterior, com a impressão de retornar ao ponto de partida....
No alto da montanha
De qualquer forma, independente disso, ou apesar disso, sempre que foi possível, e aconteceu algumas vezes, circulamos por esses caminhos e subimos a montanha. Foi o que fizemos essa vez, com um trânsito intenso e muita gente chegando e saindo das pistas de esqui. Subimos, com todo o cuidado até o Passo Sella.
No alto da montanha (2)
O Passo Sella, passagem de montanha a 2218m de altitude, forma, junto com os Passos Pordoi, Gardena e Campolongo, um quadrângulo em volta do Grupo Sella, maciço montanhoso nos Dolomitas, no Südtirol. Ele conecta o Val Gardena (de onde vínhamos) com Canazei. É uma região lindíssima (mas sou suspeito, pelo meu fascínio pela montanha).
Chegamos lá pouco depois das 16h30 (a volta seria bem mais lenta).
Perdidos Mães e FIlhos
Uma infinidade de fotografias, individuais, em duplas, em grupo, apenas da paisagem, do final de tarde, afinal era inverno e a noite caia mais cedo. Estava frio, algo como 6ºC, e o vento baixava a sensação térmica. Ficamos um tempo na rua e decidimos, então, entrar para um café. O local escolhido, e único, foi o Hotel Maria Flora, situado exatamente ali, e é uma das possibilidades de estadia na região, e que serve de base para quem quer esquiar ou fazer trilhas (no verão). Tomamos chocolate quente, antes de começarmos o retorno montanha abaixo em direção à Ortisei e depois Bolzano, porque nosso destino para a noite era Meltina, cerca de meia hora de distância de Bolzano.
O retorno foi bem mais demorado do que o esperado porque, além de nós, todos os turistas que haviam subido para as estações e/ou pistas de esqui da região retornavam para suas “bases” à medida que o final do dia se aproximava. Levamos um longo tempo para cruzar Ortisei, presos no trânsito. Quando conseguimos, já era noite.
Havia avisado por mensagem os proprietários da casa em que ficaríamos a provável hora em que chegaríamos, por volta das 20h, segundo nos informava o Waze, e eles disseram que tudo bem, mas que não estariam em casa (iam à missa, aparentemente). O percurso entre Passo Sella e Meltina tem cerca de 94km de distância, e acabamos levando duas horas, descendo a montanha e retornando à autoestrada A22 (Verona-Bennero) no sentido à Verona, praticamente entrando em Bolzano para então cruzar para o outro lado da rodovia e acessar a SS38 e depois a SP11 e novamente subir uma montanha, com as já conhecidas tornantes. À noite, sem grande iluminação e sem muitas habitações por esse caminho.
Por quê Meltina, você pode se perguntar.
Hospedagens alternativas, respondo eu. Mas, na verdade, quando começamos a procurar opções naquela região, entre Ortisei, Santa Cristina de Val Gardena e Selva di Val Gardena, todas as opções de hotéis estavam extremamente caras, afinal era um sábado em plena estação de esqui. Locais em que já ficáramos por preços razoáveis agora cobravam fortunas por uma noite de estadia. Durante minhas pesquisas, então, encontrei essa casa em tese mais ou menos isolada na montanha, mas não próxima às estações de esqui. Preço bom, uma casa inteira para nós. Poderíamos cozinhar e aproveitar o tempo lá. Só que, sim, não sabíamos absolutamente nada da cidade onde deveríamos ficar.
Só que estávamos chegando lá à noite, e o plano de parar em um supermercado no caminho para comprar o necessário para – se preciso – fazer um jantar e, também, para o café da manhã foi deixado de lado em virtude horário. O Gasserhof Chalets, situado na Via Meltina, 82, ficava na localidade de Vallesina, município de Meltina, na beira da estrada.
Entramos com o carro na propriedade e havia, em primeiro plano, uma casa principal e, ao fundo, dois chalés com vista para o que imaginei ser o vale, onde ficaríamos. Estava escuro. Desci do carro, e caminhei em direção à casa principal, que tinha uma luz acesa. Quase ao mesmo tempo saiu da casa um senhor que certamente tinha mais de setenta anos, e que certamente não falava inglês, apenas italiano e alemão. Por alguma razão que não sei explicar, lembrei do Helmut, o caseiro do sítio que o eu sogro possuía, vendida há muito tempo.
De alguma forma, como o meu italiano muito meia boca, conseguimos nos entender e ele explicou que a chave estava na porta do chalé em que estaria um bilhete com o meu nome. E me mostrou onde deixar o carro. Deu certo. Entramos chalé, que era bem confortável, tudo novo e de boa qualidade. Sobre a mesa, um espumante de boas-vindas. Havíamos chegado! Era hora de providenciarmos a janta.
O caminho até ali, pela estrada, não havia sido pródigo locais que parecessem movimentados. Aliás, tudo parecia deserto. Decidimos, naquele momento, após instalados, que a Jacque e eu iríamos procurar um local para jantarmos. Com a ajuda do aplicativo TripAdvisor, encontramos três locais com potencial de ser o escolhido para a janta. Dos três, dois estavam fechados. O terceiro, em uma rua paralela à estrada, estava aberto. Estacionamos o carro, descemos e entramos no lugar.
Logo na entrada, uma funcionária veio e perguntei se estava aberto. A menina disse que sim, mas quando eu falei para a Jacque que havíamos achado o lugar para jantar, a menina disse que, na verdade, eles iriam fechar, e a cozinha já estava fechada... Perguntei, então, se eu poderia comprar uma garrafa de vinho e duas de água. Sim, e compramos. Havia, além de dois ou três funcionários, uns dois clientes que bebiam sentados junto ao balcão, e pareciam se divertir – por alguma razão que não sei explicar – com a nossa situação.
Saímos dali e decidimos seguir até a verdadeira cidade de Meltina, alguns poucos quilômetros adiante de onde estávamos. Ali, certamente encontraríamos algum lugar para jantar num sábado à noite, afinal todo mundo (e nós, em especial, naquele momento) espera alguma coisa de um sábado à noite.
Nada, absolutamente nada.
Demos uma volta por toda cidade de Meltina, ou o que imaginamos ser essa cidade à noite e não encontramos nada nem ninguém, não havia nenhum estabelecimento aberto e nenhuma pessoa pelas ruas. Parei em frente a um posto policial, manobrei o carro e retornamos, entre incrédulos e derrotados de volta para o Gasserhof Chalets, onde os outros Perdidos nos esperavam. A noite seria de acampamento, improvisaríamos o jantar com o que tínhamos disponível entre o que havíamos trazido de nossa estada em Peschiera del Garda, uma garrafa de espumante, uma de vinho tinto e duas águas minerais, um com e outra sem gás.
Quando pensamos em comida improvisada de acampamento, ou mesmo dos tempos de ir de turma para a praia no inverno, pensamos em massa com sardinha, ou salsicha, ou mesmo massa na manteiga (tenho trauma dessa última). Mas tínhamos entre nós a Chef Jacqueline, e ela salvaria a noite. Aproveitando o que havíamos trazido do dia anterior, mais o que havíamos comprado em Ortisei, ela elaborou o menu do nosso jantar.
Risoto di funghi porcini com speck temperado com sal de trufas e regado com espumante.
Comida de acampamento
Ficou ótimo.
Comemos, tomamos o vinho, e rimos muito antes de ir dormir.
Amanhã seria o último dia de viagem, dia de retornar para Milão, pois a Roberta tinha seu voo de retorno para Barcelona no final da tarde, e nosso retorno seria na segunda-feira de manhã. Seria um dia de estrada, basicamente, e ficaríamos num hotel perto do aeroporto de Malpensa. Seria um dia meio sem graça, já terminando a viagem.
Mas foi o dia do acidente.
Até.