Crise de identidade.
E aqui reafirmo minha convicção: tempos
estranhos esses, em que vivemos.
Imagino que no passado era muito
mais fácil saber qual era o teu papel no mundo e, mais significativo, saber
quem eras e em que lado da mesa estava, ou deveria estar. As noções de direita
e esquerda eram bem claras, e tomar posição era muito mais simples. Todos
sabiam os seus papéis. Tudo isso, contudo, ficou no século (milênio, na
verdade) passado.
Hoje em dia, por mais que as
pessoas insistam em tentar definir os outros em esquerda e direita, bem e mal,
e o leitor tem total liberdade de associar bem e mal com a posição política que
lhe convier, isso é uma perda de tempo, e uma atitude quase infantil. O mundo
mudou muito, e nem tudo é branco ou preto, vermelho ou não. O maniqueísmo
típico de outros tempos não cola mais, é ultrapassado como uma camiseta do Che
Guevara.
Eu, por exemplo.
Não sei o quê sou em se tratando
de ideologia. Poderia agora citar trecho de música para ilustrar meu argumento
(“Meu partido/É um coração partido/E as ilusões/Estão todas perdidas/Os
meus sonhos/Foram todos vendidos/Tão barato/Que eu nem acredito/Eu nem acredito/Que
aquele garoto/Que ia mudar o mundo/Mudar o mundo/Frequenta agora/As festas do Grand Monde...") e mostrar que, ao
menos para mim, o posicionamento político-ideológico ficou complicado. Se isso
é bom ou ruim, não sei. Existem vários exemplos.
Se eu acho que o aborto é decisão
única e exclusiva da mulher e, se ela acha que deve fazer, deve ter o direito
de fazê-lo sem ser criminalizada por isso, sou de esquerda.
Se eu acho que o MST se
tornou um movimento sem legitimidade, sou de direita.
Se eu sou a favor da vinda
de médicos estrangeiros para trabalhar no Brasil, sou de esquerda, mas quando
digo que devem, por lei, revalidar seus diplomas, sou de direita.
Se eu acho que os condenados
à prisão pelo STF no caso do mensalão devem perder seus cargos eletivos, sou
conservador de direita. Mas quando me mostro a favor de que todos tenham os
mesmo direitos, independente de opção sexual, sou de esquerda.
Quando digo que acho que as
cotas nas universidades públicas são necessárias, sou militante de esquerda,
mas quando fico desconfortável com o me parece um processo de “venezuelização” (no
mau sentido, mas nada contra a Venezuela, falo do chavismo) do Brasil, sou
quase taxado de membro da Tradição, Família e Propriedade.
Quando digo que acho os
Estados Unidos uma grande nação, mesmo com seus problemas, sou de direita.
Quando digo que moraria lá tranquilamente, sou quase um radical de direita.
Se digo que sou a favor da
Lei do Ato Médico, sou um mercenário corporativista. E quando digo que, sim, eu
atendo pacientes do SUS sem receber um centavo em troca, não acreditam.
Quando defendo a liberdade
de expressão, sou de esquerda, mas quando discordo daqueles que querem calar a
Rede Globo / RBS, eu sou vendido ao sistema.
Quando eu acho que a hora de protestar contra a Copa no Brasil era há oito anos, e agora querer que dê errado (que não venham turistas para o Brasil) é um tiro no pé que só vai aumentar os prejuízos a todos, me chamam de ingênuo.
E assim por diante.
Tempos complicados esses,
não?
Aqueles que precisam rotular
e classificar as pessoas o tempo todo para sentirem-se mais seguros devem se
frustrar comigo (e com muitos de nós). Pois é.
A vida, e o mundo, são bem
mais complicados do que as pessoas gostariam.
E assim vamos vivendo.
Até.
#
A reativação desse blog nos
últimos dias ocorreu, como todos notaram, em virtude dos acontecimentos que
agitaram o Brasil e as redes sociais nas últimas semanas. Pretendo continuar
ativo e frequente por aqui, mas começo a ficar desanimado em escrever sobre
esses fatos e suas repercussões... vamos ver...
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