(Crônicas de uma Pandemia – Sexagésimo Terceiro Dia)
Tenho problemas com álcool.
Já falarei disso, prometo.
Antes, contudo, deixe-me transitar por outras searas, talvez por outros mundos. Ou não. Digo, vou permanecer um pouco ainda em assuntos do mundo real, dando até a impressão de que não consigo me afastar da dura realidade que vivemos, de que não consigo abstrair, uma inverdade, mas não preciso provar isso a você, fiel leitor. Mas, sim, vou falar um pouco de coronavírus e da pandemia, de quarentena e distanciamento social.
Tudo que sei é que nada sei.
Volto ao Paradoxo Socrático com o objetivo de dizer que – quanto mais sei – mais sei que tenho que aprender. Que nada é tão simples quanto possa parecer, e reconhecer esse fato é, sim, um ato de humildade, de reconhecimento de que há muito a ser aprendido.
Esse sou eu, um cara humilde.
As verdades unânimes que temos visto por aí tem me deixado algo desconfortável, devo confessar. Mas fico ainda mais incomodado com a não aceitação de qualquer tipo de questionamento, ou da possibilidade de contraponto. Com uma falta geral de – sim – senso crítico na forma que estão lidando com o momento atual da pandemia. E não vou entrar em política.
Há dois meses, quando iniciou esse período de isolamento/distanciamento social, o discurso era de que tínhamos de fazer isso com o objetivo de ‘achatar’ a curva de infecção para não sobrecarregar o sistema de saúde, para que não entrasse em colapso. Tem funcionado. Com efeitos colaterais importantes, admitamos, mas tem funcionado. Hospitais vazios, pessoas com medo de sair de casa, até pessoas morrendo em casa com medo de procurar atendimento quando necessário pelo medo de se infectarem no hospital.
Mas aqui no Sul do Mundo, no final do Brasil, quase um Uruguai do Norte, a pandemia não foi (ainda?) o tsunami que esperávamos. Talvez pela localização geográfica, pela pouca circulação de turistas, não sei, mas o fato é que não chegou com tudo como se esperava. Mas vem o inverno por aí, vai ser quando tudo vai piorar, vai ser um horror, dizem. Na metade abril, disseram. Na primeira quinzena de maio, reafirmaram. Daqui a duas ou três semanas, podem esperar, foi o que ouvi ontem.
E é o que temos feito, esperado, a postos, pelo inimigo.
Contam o número de infectados, que cresce – obviamente – e soam alarmes quanto a isso. Vamos ter muitos infectados, os alarmistas gritam por aí. E eu aqui, no meu canto, me pergunto em que momento mudou a forma como se vê o que está acontecendo. O distanciamento era para “achatar” a curva. O que significa isso? Que as pessoas iriam se infectar numa velocidade menor, que não sobrecarregasse/colapsasse o sistema de saúde, não que as pessoas nunca iriam se infectar. Até porque se sabe – até aqui – que a grande maioria dos infectados vai ficar bem, e que a parcela que vai precisar de atendimento, e de UTI, é bem menor.
A dúvida que surge agora é até quando vamos nos manter assim. Mais, esta é uma estratégia que está funcionando? Aparentemente, sim. O que fazer agora, afrouxar a estratégia mantendo protegidos aqueles de risco, liberar o resto? Não sei, e não queria estar no papel de quem deve decidir.
O que eu sei, contudo, é que o assunto deve ser discutido, e todos os pontos de vista e evidências devem ser ouvidos e analisados. Porque ciência é isso: para ser verdade, uma hipótese deve ser testável e reprodutível, e vai permanecer válida até que surja um novo conhecimento que a altere.
É isso.
E o álcool?
Outro dia, não sei exatamente onde, li alguém que declarou que a “quarentena” deveria acabar logo porque, ao ficar em casa, só o que restava era beber. E muitos outros por aí que afirmam o mesmo.
Que triste isso, pensei.
Excluindo o exagero nestas afirmações, ainda assim, lá no fundo, sabemos que em boa parte dos casos é verdade, e isso é trágico. Depender de um embotamento dos sentidos, mesmo que mínimo, para encarar a realidade, para passar os dias, é algo que não entendo. E digo isso sem julgamento, sem juízo de valor, porque não tenho como saber o que se passa com cada um, quais suas razões.
Mas não é para mim, não é esse tipo de relação que tenho com o consumo de álcool, e confesso que fico um pouco incomodado com a glamourização que fazem com relação a seu consumo.
Fazer o quê?
Até.