domingo, junho 16, 2024

A Sopa

Tudo isso (4).

 

A maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul, quiçá do Brasil, ocorrera enquanto estávamos, a Jacque e eu, fora do país, em uma convenção nos Estados Unidos. Com o aeroporto de Porto Alegre fechado por tempo indeterminado, nosso voo de volta cancelado, conseguimos nos reorganizar e voltar o Brasil e chegar via aérea até o ponto mais próximo de casa, Florianópolis, onde dormimos uma noite antes de pegar o carro alugado com o qual conseguimos chegar em casa.

 

A entrada em Porto Alegre, no final do dia de 09/05, foi pela zona norte da cidade, a partir da vizinha Alvorada. O caminho foi pelas avenidas Baltazar de Oliveira Garcia, Assis Brasil, Plínio Brasil Milano, Vinte e Quatro de Outubro, até a Ramiro Barcelos, Gonçalo de Carvalho até em casa. Por todo o trajeto, o que chamava a atenção era a ausência de sinais das inundações, por estarmos em áreas que eram ou altas e ou longe (mas não muito) de onde a água chegara. 

 

O alívio de chegar em casa e encontrar a Marina e minha mãe bem. Ainda com água em horários determinados devido ao racionamento estabelecido no prédio no início da situação, assim que saíram as notícias de que as bombas de captação de água haviam ficado fora de ação. Descarregamos o carro, minha mãe se despediu de nós e voltou para casa, onde tinha água e luz. Nós, sem ter como tomar banho em casa, iniciamos uma sequência que seria de doze (!) dias tomando banho na casa de familiares (mãe, sogros, cunhada). Um mínimo inconveniente perto do que milhares haviam sofrido.

 

Ainda antes de encerrar o dia, sabendo que a devolução do carro seria complicada, pois teria que entregá-lo em Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre, naquele momento pela única saída de Porto Alegre. Isso porque as lojas da locadora na cidade ou estavam alagadas ou não tinham funcionários. Mais do que isso, teria que voltar de lá após devolver o carro. Missão quase impossível. Transporte público não estava funcionando, minha opção era o Uber, ou que alguém me ajudasse, dando carona.

 

Eu tinha certeza de que se eu pedisse para alguns amigos em especial, eles me ajudariam sem nenhum problema, na parceria, assim como se me pedissem eu faria o mesmo por eles. E que realmente eu poderia pedir, porque nossa amizade é para tal. Mas não me senti confortável para isso, o que não quer dizer que não pedi ajuda: enviei mensagem em um grupo de WhatsApp pedindo sugestões de como retornar à Porto Alegre após a entrega do carro, ou se achavam que minha única opção era mesmo o Uber. Imaginava que alguém poderia se oferecer para ajudar. Eu estava certo, e quem se ofereceu foi um dos que eu tinha certeza de que faria (valeu, Robert!).

 

Sexta-feira de manhã, dez de maio de dois mil e vinte e quatro.

 

Fui até a casa dele, e às 7h30 saímos em comboio em direção ao local de devolução do carro. O tempo estimado no momento da saída era de duas horas até o destino, que normalmente levaria trinta minutos.  Um tempo excessivo para um trajeto tão curto, mas era uma situação excepcional.

 

Mal sabia eu o quê me (nos) esperava.

 

O trajeto que deveria ser percorrido sairia de Porto Alegre pelas avenidas Assis Brasil e Baltazar de Oliveira Garcia, e então atravessando a cidade de Alvorada, acessando a ERS-118, e aí até Gravataí. Trânsito intenso, percorremos relativamente bem a saída de Porto Alegre e a maior parte do trecho por Alvorada, até quando faltavam cerca de dois quilômetros para o acesso à rodovia ERS-118. Foi nesse momento em que tudo parou. E começou a chover.

 

Ali, a não mais que dez quilômetros do nosso destino, ficamos parados no engarrafamento. Não, era mais que um simples engarrafamento. Era um cenário de filme catástrofe, o trânsito parado e ao mesmo tempo com viaturas policiais, ambulâncias, bombeiros, carros de resgate com barcos a reboque, todos passando por nós, indo e vindo, enquanto assistíamos aquela cena embretados, sem pode nos movimentar.  E sem sinal de celular, apenas o rádio do carro com notícias da tragédia que se abatia sobre o estado.

 

E assim ficamos, parados.

 

Foram (quase) inacreditáveis QUATRO horas até chegar ao destino e devolver o carro antes de começar o retorno à Porto Alegre. Quatro horas entre sairmos e chegarmos na agência da Localiza em Gravataí. E eu todo o tempo lamentando ter colocado o meu amigo naquela fria. Ao chegar e descermos do carro, disse ao Robert que lamentava a roubada em que eu o havia metido, no que me respondeu que sabia que seria assim, e que eu não conseguiria voltar, e por isso se ofereceu para ajudar.

 

Coisa de irmão.

 

É bom contar com os amigos!

 

Até. 

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