domingo, julho 26, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Trinta e Três Dias)

Eu não sou jovem (2).

Falava eu de uma noite em que jantávamos nesse restaurante em Fortaleza que tinha o cardápio manuscrito, acho que à lápis, e que eu não era mais jovem. Lembrava também da minha primeira experiência na cidade.

Havia sido onze anos antes, em 2006, quando havia deixado de aproveitar a cidade como turista devido a uma contratura muscular cervical que me deixara traumatizado, tamanha foi a dor. Após o episódio, não havia surgido oportunidade (e vontade) de voltar lá. Havia outros destinos que me pareciam melhores.

Agosto de 2017, então, estava de volta à cidade para um outro congresso. Contra minha vontade, para ser totalmente sincero. Se fosse apenas por minha opção, eu enquanto pessoa física, eu não teria ido.

Contudo, estava ali a trabalho, representando, de certa forma, uma pessoa jurídica. Aquela época, eu era contratado como especialista médico por uma multinacional da indústria farmacêutica. Estávamos lá porque – durante o congresso – ocorreriam dois simpósios satélites que faríamos. Essa era a razão, avisei a todos, para eu estar lá. Não que eu tivesse a opção de não ir, mas essa é outra história...

Cheguei em Fortaleza no final da tarde de uma quarta-feira, quase na hora da cerimônia de abertura do congresso. Fui até o hotel, e decidi caminhar no calçadão em frente ao mar antes de mais nada. Caminhei aproximadamente por 100m e me deparei com um grupo trajado de super-heróis dançando funk a todo volume. 

Voltei ao hotel.

Banho rápido, e fui para a cerimônia de abertura do congresso. Lá, encontrei conhecidos e alguns colegas durante o coquetel de abertura. Falávamos amenidades, até que recebi mensagem em meu celular da empresa me convidando para jantar. Me despedi dos conhecidos e fui encontrar o pessoal da “firma”.

Uma das poucas coisas que sinto falta dessa minha experiência no mundo corporativo são justamente as pessoas com quem trabalhava, e os eventos (congressos e outros) eram momentos que – como time – estávamos juntos em tempo quase integral. Como sempre fui (sou) uma pessoa de trabalho em equipe, de turma, de parceria, esses eram os melhores momentos. 

Saímos nós, então, rumo ao restaurante escolhido por indicação de alguém, e chegamos ao restaurante do cardápio manuscrito à lápis. Estávamos nós os médicos, alguns gerentes, pessoal do marketing. Uma turma não muito grande, todos nos conhecíamos e nos relacionávamos bem, como deveria ser sempre. E, junto a nós, um especialista médico global (nós, especialistas ali, éramos considerados especialistas locais) da empresa. Um professor inglês de renome internacional, pesquisador, com diversas publicações importantes.

Era a segunda vez que eu o encontrava pessoalmente.

Em maio do mesmo ano, havíamos passados uns bons períodos juntos a trabalho durante o congresso americano de pneumologia, que ocorrera em Washington, nos Estados Unidos. Havia sido uma experiência muito interessante. Preparamos e gravamos juntos os highlights do congresso, que foram publicados e transmitidos pela internet. Foi muito legal. 

Ali, em Fortaleza, no restaurante com o cardápio manuscrito à lápis, estávamos em momento social, descontração. Conversa vai, conversa vem, até que – quando todos estão prestando atenção em mim – afirmo peremptoriamente no meu inglês com sotaque latino:

“Sou um velho”. 

“Há duas semanas”.

Continua, continua... 

Até. 

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