domingo, fevereiro 13, 2022

A Sopa (de Férias 3)

(mais uma Sopa antiga, de quando eu morava no Canadá)

Um anúncio. 

Vou largar as drogas.

 

Ou melhor, vou trocar de droga.


Explico.

 

Normalmente, para tolerar as dez horas de voo noturno na classe econômica, que são difíceis em virtude da minha altura, eu costumo tomar um comprimido para dormir. Nunca tive problemas com o que costumo usar, o midazolan (o popular Dormonid). Mas está descrito que ele pode causar reação paradoxais, ou seja, efeito contrário ao de relaxamento e alívio de ansiedade.

 

Não, eu não tive uma crise e saí correndo pelado pelo avião como possam estar pensando.

 

Deixa-me contar do voo São Paulo – Toronto da Air Canada.

 

Airbus A340 (eu acho). Voo superlotado. Minha poltrona, 28C, corredor. A última fila antes dos banheiros do meio do avião. Me instalo, e constato: ela não reclina nem um mísero grau, o que quer dizer que vou ter que passar a noite num ângulo de 90º. Chamo a primeira comissária de bordo, que diz que devemos esperar o avião decolar para tentar ajeitar a situação.

 

Decola a avião, o aviso de apertar os cintos apaga, todos reclinam suas poltronas e eu fico lá tal qual um “L”, lendo. Bate o sono, largo o livro, e cochilo por alguns instantes. Servem a janta, e eu a 90º. Converso com a segunda comissária, que pede mais um tempo para tentar resolver a situação. Termina a janta e começa o filme. O filme se desenrola e eu lá, sentado reto, tal qual um nobre inglês, postura impecável.

 

Chamo o terceiro comissário. Em inglês explico que não pretendo dormir sentado daquele jeito. Ele tenta consertar. Nada feito. Diz que vai me dar uma carta para reclamar da companhia. Acaba o filme, apagam-se as luzes. A segunda comissária me diz que o único assento vago é no meio, na fila de quatro, entre um senhor que aquela altura babava no travesseiro, literalmente, e um MUITO obeso. Digo para ela que prefiro que uma manada de elefantes me atropele. Ela diz que nada pode fazer.

 

Volto ao meu lugar. Passam-se dez, quinze minutos. E eu lá, a 90º. Tenho que fazer algo.

 

Vou ao fundo do avião, onde estão os comissários reunidos. Converso com o terceiro comissário, que descubro ser português. Quando digo que sou brasileiro, diz que vai me ajudar, mas comenta que a classe executiva está lotada (e lá se vai por água abaixo minha esperança de me dar bem). Comenta, finalmente, que um dos assentos reservados a eles, comissários, está vago e que se eu quiser posso dormir ali, mas é em frente ao banheiro e, portanto, barulhento.

 

Para isso servem as drogas, penso. Isso, vou tomar o comprimido e dormir. Tomo o comprimido. Me acomodo no último assento do avião, corredor, em frente ao banheiro, luz acesa. É só esperar que medicação faça efeito e vou dormir umas três ou quatro horas, certo. Estou tranquilo. Para melhorar, o comissário me oferece o assento da janela, já que ele tem plugs de ouvido e uma máscara para dormir. Perfeito.

 

Durmo até ser acordado com o anúncio do café da manhã. Volto ao meu assento original e terminou o voo lá. 

 

A única coisa é que o comissário passa por mim e comenta que – durante a noite – houve turbulência e que nesse momento comentei algo que ele não entendeu bem: eu disse, segundo ele (não lembro de nada, amnésia é um dos efeitos da medicação):

 

- Seguuuuura, peão!

 

Pronto, nunca mais tomo Dormonid.

 

Até.

Nenhum comentário: