domingo, fevereiro 20, 2022

A Sopa (Los Perdiditos 6)

 O Guia

A primeira vez que andei de avião foi aos 22 anos.

 

Minhas primeiras férias como médico recém-formado, residente de primeiro ano de clínica médica como pré-requisito para a residência de pneumologia, namorando a Jacque há três meses. Fomos para os Estados Unidos, Miami e Orlando com Disney na primeira semana e depois Nova York, Filadélfia, Atlantic City, Washington e de volta à NY e ao Brasil, porque acabavam minhas férias, e eles (a Jacque, a Karina e o Paulo, ex-marido da Karina e pai da Roberta e do Gabriel) seguiram mais uns dias indo até o Canadá e voltando à Chicago, antes de retornarem ao Brasil.

 


Foi minha primeira viagem de avião, e primeira viagem internacional ao mesmo tempo. Lembro até hoje da sensação de irrealidade de estar voando, como se num sonho, e da escala no Rio de Janeiro (provavelmente conexão, mas não lembro) e de ver a cidade iluminada e o Cristo, e cantar baixinho o Samba do Avião, do Tom Jobim, ritual que nunca perdi, assim como ter certeza de que o avião não cairá se tiver alguém conhecido no voo, mas isso não importa agora. Apesar de ser minha primeira viagem internacional, já naquela época era eu quem falava melhor o inglês e, associado – podemos dizer – a algum traço de personalidade meu, sempre fui eu quem tomou a frente em termos de comunicação quando estávamos em viagem no exterior.

 

Desde as situações mais corriqueiras, como entrar em hotéis para descobrir disponibilidade, valores de diárias e conferir como eram os quartos (na era anterior à internet móvel, principalmente no interior da Europa), até conversar e conhecer um pouco dos locais, sempre tomei a dianteira. Mesmo quando não dominava completamente o idioma, como quando – no interior da Alemanha – eu sabia perguntar se havia quartos livres, mas não tinha a menor ideia do que a pessoa me perguntou em seguida (quartos simples ou duplos?), eu sempre estive protagonizando, digamos assim, esses momentos.

 

Ou quando chegamos no aeroporto Charles De Gaulle, em 2007, para voltar ao Brasil, com muitas horas de antecedência como mandava o figurino, e a atendente da Air France nos disse que o voo estava com overbooking e teríamos que ficar mais doze horas em Paris para só embarcar no dia seguinte no final da manhã, e disse para ela que tudo bem, mas que teríamos que ser compensados por isso, hotel, refeição, uma quantia em dinheiro – ela concordando com tudo – até que eu disse que voltaríamos de executiva. Ela respondeu que não, afinal nossas passagens eram de econômica, no que respondi que sim, era verdade, mas que eram para aquele voo do qual ela estava nos retirando. Rápida e magicamente surgiram assentos disponíveis para nós no voo que havíamos comprado.

 

Quando fomos em família para a Itália, em 2014, além de ser o responsável por dirigir a van que alugamos, sempre me senti o responsável pelo grupo, apesar de que o italiano nato e quem falava o idioma era o meu sogro...

 

O tempo é inexorável, todos sabemos, e temos que saber o momento de nos afastar, mesmo que involuntariamente, e mesmo que ainda estejamos nos sentindo em forma. Ou ao menos aceitar que outros podem ser o que sempre fomos e fazer o que sempre fizemos. Foi o que aconteceu nessa viagem para o Uruguai.

 

Quem assumiu o papel de protagonismo em termos de se comunicar foi a Roberta, minha afilhada querida. Por ter um domínio invejável do espanhol (além do inglês), foi ela quem tomou à frente em virtualmente todas a situações em que foi preciso interagir com pessoas durante a viagem, pessoalmente e, mais impressionante para mim, por telefone. Chegamos a filmá-la discutindo por telefone com um burocrata do governo uruguaio antes de chegarmos no país, de tão impressionante e natural que foi.


                                               (Roberta e Marina, as primas)

 

Em determinado momento da viagem, numa noite enquanto jantávamos em Montevideo e conversávamos, simbolicamente admiti que o papel de “guia”, de porta-voz do grupo, já não era meu, era hora de passar o bastão para ela. 

 

Com ela à frente, estivemos muito bem representados.


Enquanto ela estiver morando em Barcelona, vai fazer muita falta por aqui...

       

Até.

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