domingo, setembro 19, 2004

A Sopa 04/09

Um mês de Canadá, um mês longe de Porto Alegre.

Depois de passadas as duas primeiras semanas, de angústia, sensação de ausência de referências e com fatos desagradáveis ocorrendo longe do meu alcance e a correspondente frustração pela impotência de não poder interferir no curso dos acontecimentos e nem ao menos estar fisicamente presente, e depois de fugir para perto dos cuidados familiares, finalmente a poeira parece baixar. Claro que ainda me movimento com certo cuidado para não levantá-la (e junto, ressucitar velhos fantasmas…). Vai se estabelendo de novo uma rotina.

Descobri - nestes últimos tempos – a injustiça que se comete com a rotina. Como se fala mal dela sem razão! Pelo contrário, percebi ser a mesma fundamental para a sanidade do homem. Sem a rotina, sem método, sem rituais, seríamos ainda selvagens correndo atrás de animais selvagens e sendo nômades. Foi a rotina que trouxe a civilização. A civilização surgiu também da hipocrisia, mas isso é assunto para outra oportunidade, quem sabe numa quarta-feira filosófica, quem sabe para uma noite de inverno canadense.

O importante, agora, é saber que a rotina é de vital importância para nossa sanidade. É ela que nos dá referências, rumo. Sem ela, ficamos perdidos, como se suspensos no ar, sem ao menos saber onde ir. O casamento, dizem, perde a graça quando “cai na rotina”. Mas os únicos momentos em que o casamento não é rotina são a lua de mel e as férias, o primeiro único, e o segundo acontecendo eventualmente. O grande desafio é tornar o dia-a-dia prazeroso, fazer da rotina uma sucessão de momentos agradáveis. Claro que nunca é 100%, mas o balaço final deve ser positivo, caso contrário não faz sentido estar junto.

De volta ao Canadá, dizia eu que começava a estabelecer uma rotina, o que faz com que os dias ganhem sentido, adquire-se o conhecimento do que fazer e onde ir todos os dias de manhã. Tenho casa, local (ao menos provisório) de trabalho, já sei me localizar no metrô e nas ruas, e tenho projetos.

Assim como ter uma rotina é importante para nossas vidas, também fundamental é ter projetos. Projetos de futuro, distante e próximo, são outra motivação para seguirmos em frente, para que saiamos da cama de manhã e tenhamos porque encarar mais um dia. Se a rotina é a mecânica que nos faz funcionar, os projetos de futuro (sonhos, objetivos) são o combustível que nos mantêm ativos.

Já voltei a ter todos os ingredientes acima.

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Antes de vir para cá, conversei com muitas pessoas que me disseram várias coisas sobre o Canadá, e Toronto em especial. A maioria falou bem da cidade, mas quase invariavelmente com a ressalva de que “Toronto é tipo São Paulo”. Comentavam sobre a grande oferta de atividades culturais, shows, exposições, etc. Toronto não seria tão bonita, mas seria “civilização”.

Talvez se formos compará-la com outras cidades daqui, tipo Vancouver, ou algum outro local na Bristish Columbia – que não conheço – pode ser que Toronto até pareça menos atraente. Vou pagar para ver. Toronto tem uma quantidade grande de parques, muitas – muitas – áreas verdes, tem o lago, sempre com muitos veleiros navegando, e uma área portuária que foi transformada em centro cultural que é um local muito agradável para passear.

A menos de cem metros de onde estou morando (“Muito bem localizado”, segundo comentário geral) tem um grande parque que dá nome à região (High Park). No último domingo, fui conhecê-lo. Andei, andei e andei por dentro do parque, por caminhos, trilhas, e – quando vi – estava na beira do lago! Passeei um pouco pela orla e voltei por dentro do parque. Parei para olhar um jogo de baseball da Liga Infantil de Baseball do High Park, e depois até um zoológico encontrei. E ainda não conheço todo o parque…

Já com relação ao sistema de transporte público, é diferente. Posso até dizer que já domino. Não é muito complicado, afinal de contas. É composto de metrô, ônibus e streetcar (bondes, bem claro). Cada viagem, paga-se uma única vez, não importando se vai pegar o metrô e depois um ônibus ou streetcar. É tudo interligado. Em algumas estações, sai-se direto do metrô e tem-se acesso ao streetcar/ônibus. Noutras, tem que pegar um ticket para fazer a baldeação.

O metrô é bem simples. Tem basicamente duas linhas: uma que cruza a cidade de leste a oeste e outra, de norte a sul. Esta última forma um “U”, desmembrando-se em duas que correm paralelas. O pré-requisito é saber os pontos cardeais. Sabendo-se orientar-se através de leste/oeste e norte/sul tudo fica simples.

A cidade se divide na esquina da Bloor com a Yonge St. A Bloor corre no sentido leste oeste e a Yonge de norte a sul, sendo – inclusive – a mais longa avenida do mundo. Da Bloor em direção ao lago, vai-se para o sul. Aí é só saber um mínimo de geografia e tudo fica fácil. Eu moro na zona oeste da cidade, muito perto da Bloor West Village, uma região de restaurantes, pubs, cafés, lojas, livrarias, etc. Fica a mais ou menos vinte minutos de metrô do centro e dos hospitais.

Com relação aos hospitais, estou vinculado à UHN (University Health Network), que é composta por três hospitais: Toronto General Hospital (TGH), Princess Margaret Hospital (PMH) e Toronto Western Hospital (TWH). Os dois primeiros estão localizados na University Avenue, frente à frente, bem próximos ao Ontario Parliament Building. O TWH fica a algumas quadras dali. Para ir de um hospital outro, tem um ônibus que liga os três que circula a cada 15 minutos o dia todo ou, ao menos, das 8 às 17h. Neste primeiro mês de trabalho, estou no TWH, no Centro de Asma, além de ir a rounds no TGH e a um laboratório do sono, próximo ao hospital.

Para o TWH, vou de metrô, numa viagem de uns 15 minutos, e depois pego um streetcar, numa viagem de outros 15 minutos. Fácil, fácil. Sempre ouvindo discman e lendo jornal, que é de graça e pego na estação do metrô.

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Há alguns dias, escrevi que não sentia saudades do Rio Grande do Sul, apenas das pessoas. Demorei um pouco para entender, e também entender o por quê de gaúchos que saem do estado e continuam ligados visceralmente à terra em que nasceram.

Não sinto falta do Rio Grande do sul porque nunca deixei o Rio Grande. Pelo visto, nem vou. No fundo, continuo vivendo e vou ainda continuar me sentido parte da terra que me viu nascer. Posso estar há muitos mil quilômetros de Porto Alegre, mas continuo tão local quanto antes.

O Rio Grande do Sul, mais que geografia, é um estado de espírito.

Ah, eu sou gaúcho.

Minha singela homenagem ao 20 de setembro.

“Como a aurora precursora
Do Farol da divindade,
Foi o Vinte de Setembro
O precursor da liberdade.

Mostremos valor constância,
Nesta ímpia e injusta Guerra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda a terra,
De modelo a toda a terra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda a terra.

Mas não basta p’ra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo”

Até semana que vem.

3 comentários:

Anônimo disse...

Saudações Farroupilhas!
Estou cada vez mais interessada em conhecer essa tua terrinha, cheia de parques, lago, vida cultural...Que bom que já se passou 1 mês, e que em 3 meses (no máximo), estaremos juntos curtindo muito frio e um very merry christmas em Toronto!
Saudades, beijos, abraços, com carinho da tua Jacquinha

Anônimo disse...

Puxa, fico feliz em saber que o pior já passou e vc começa a se sentir um verdadeiro cidadão canadense sem perder o espírito gaudério, aliás cai uma chuva torrencial neste momento e os gaudérios continuam a desfilar molhadéssimos.
Celinho, estamos com saudades,mas o que vale é que saudades só se tem de coisas boas que ficaram, então....
Beijos da cunhada em fase de adaptação a nova vida e com uma outra maneira de ver as coisas.
Kaka

Luly :) disse...

Oi, Marcelo!
Finalmente consegui deixar um recadinho no seu blog!!! Obrigada pela visita ao nosso!! ;o)
Excelente essas suas impressões sobre a nova vida e a nova cidade... Sem dúvida é de grande valia pra quem tá pensando em ir para o Canadá, como nós!! Especialmente para Toronto! Quanto mais comentam sobre a cidade, mais interessados ficamos!!!
Vou acrescentar um link pro seu blog lá no CanaDa Boa! Gostei muito dele!!
Bjo

Luly :)