domingo, abril 05, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Vigésimo Primeiro Dia)

O Ano da Peste.

Quando se fala em “Um Diário do Ano da Peste”, a referência que se tem é o livro de Daniel Defoe, que reconstitui o verão de 1665 em Londres, quando a cidade assolada pela peste bubônica. Num momento de liberdade poética, talvez num timing não muito adequado, dois mil e vinte – para mim – será lembrado como o Ano da Peste.

Pois é.

O meu aniversário no Ano da Peste. Vou lembrar, certamente.

Volto ao início do ano de 2002, quando ia fazer trinta anos. Escrevi uma Sopa (que ainda não era blog, mas enviada por e-mail aos assinantes) em que dizia que seria um ano inteiro de comemorações, em que as pessoas deveriam celebrar, e – onde houvesse duas pessoas celebrando algo por qualquer motivo – eu estaria em espírito junto a elas.

Exagero, claro.

Mas reflete o espírito de um tempo, quem eu era naquela época. Era o tempo da Sopa de Ervilhas Anual do Marcelo, que naquele ano foi na véspera da final da Copa do Mundo em que o Brasil ganhou o pentacampeonato, e época também da Banda da Sopa. Dezoito anos atrás.

O tempo passou, o mundo mudou.

Eu mudei.

Ao longo do tempo, tornei-me mais introspectivo, menos expansivo. A Sopa de Ervilhas deixou de acontecer (parecia ter perdido o sentido, não sei), e perdi a vontade de grandes comemorações de aniversário, por exemplo. Continuei gostando de estar junto às pessoas, não deixei de valorizar as relações. Nunca perdi a noção de que o sentido da vida são as relações que temos, as pessoas cujas vidas tocamos. Apenas fiquei um pouco mais quieto, no meu canto.

Já falei muito das voltas que a vida deu nos últimos anos, em termos profissionais. Aceitei tarefas, trabalhos e responsabilidades que deram uma grande satisfação profissional, em termos de reconhecimento e retorno financeiro. Foi muito bom, mas – disse e redisse isso diversas vezes já – cobrou um preço.

Com o movimento de retorno, digamos assim, que fiz no ano passado, em parte planejado e em parte levado pelas circunstâncias, passei a refazer alguns caminhos que tinha deixado de trilhar, e rever algumas paisagens que havia deixado de olhar. Passei a correr menos, para poder olhar por onde ando.

A quarentena imposta pela pandemia de coronavírus, que hoje entra na terceira semana, colocou a vida em suspenso. Tudo parou, prazos se estenderam, passamos a viver um dia após o outro. Não há planos imediatos, não sabemos quando vai terminar. A incerteza dos prazos causa angústia. Mas não temos muito o que fazer, além de tomar os cuidados recomendados pelas autoridades de saúde, distanciamento social, lavagem de mãos e – agora – uso de máscaras para todos.

Cinco de abril.

E chegamos ao meu aniversário, em plena quarentena, em meio ao ano da peste versão século vinte e um. Passamos em casa, a Marina, a Jacque e eu. Ligações de vídeo, mensagens de WhatsApp, mensagens nas redes sociais. Não ficamos sozinhos, nós os três. Mas seria muito melhor se estivéssemos com o resto da família, e com os amigos. A vida é sempre melhor com a família e os amigos.

Quando o vento baixar, quando a tempestade passar.

Planos, sempre fazer planos.

Até.

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