(Crônicas de uma Pandemia – Trezentos e Vinte e Três Dias)
Mais um texto antigo, porque estamos de férias. Era fevereiro, mas era o norte do exílio, o inverno, havia iPod, neve e frio.
Sobre segundas-feiras.
Nunca fui assim, posso garantir.
Essa coisa de ‘odeio segunda-feira’ para mim nunca passou de lenda, bobagem até. Pensemos o seguinte: um sétimo da vida é composto de segundas-feiras. Logo, estaríamos de mau humor durante uma porção significativa de nossa existência. Só para ser mais preciso, segundo o IBGE (dados de 2003), a expectativa ou esperança de vida do brasileiro ao nascer é de 70,3 anos, o que quer dizer aproximados 25660 dias, dos quais um sétimo desses dias estaríamos de mal com a vida, o que equivaleriam a DEZ anos de mau humor. Dez anos!
Pois é, então esse papo de “odiar segunda-feira” é lenda.
Até porque essa coisa de “odiar” algo ou alguém é uma característica meio boba. Pior ainda se disser que, se pudesse, jogava a segunda-feira no chão e sapateava nela… Bom deixa pra lá, o que queria dizer era outra coisa.
Notei que as segundas-feiras agora têm, sim, um efeito sobre mim. Primeiro, achei que era porque eu ia dormir muito tarde aos domingos, por ficar vendo televisão, e acordava segunda-feira cansado. Era uma explicação lógica.
Mas essa semana eu fiz um teste: descansei durante o final de semana, e fui dormir mais ou menos cedo ontem. Resultado: hoje pela manhã eu estava tão cansado quanto nas outras semanas. Será que é a segunda-feira, que terá algum efeito nocivo em nós humanos, foi a pergunta que me fiz.
Até que me dei conta que não, era o meu corpo tentando me fazer virar sedentário e não ir fazer atividade física. Mas não conseguiu. Cheguei do hospital, fiz um lanche, troquei de roupa e fui para lá. Após uma hora de atividade física, saí para a rua fria, e o cenário tinha mudado: do cinza de final de tarde que tem caracterizado últimos dias de Toronto, a paisagem de inverno.
Neve.
Por tudo. Carros, calçadas, tudo branco.
Parece que fica tudo mais quieto, mais em paz.
Volto para casa a pé, sentindo o vento gelado no rosto, os flocos de neve caindo e a temperatura de –4ºC. A música que toca no iPod é Ruby Tuesday, dos Rolling Stones, em magistral interpretação do Nei Lisboa, em gravação ao vivo, do CD Hi-Fi, de 1998.
Chego em casa, banho quente e fico olhando pela janela a neve que cai.
Tudo bem, tudo em paz.
Até.