Bom sábado a todos.
Até.
Crônicas e depoimentos sobre a vida em geral. Antes o exílio; depois, a espera. Agora, o encantamento. A vida, afinal de contas, não é muito mais do que estórias para contar.
Olha só.
Há alguns anos, conversando com uma amiga, disse a ela que eu era uma pessoa ansiosa. A resposta dela, para nossa risada conjunta, foi “só percebeste isso agora?!”. Pois é.
Sim, sou uma pessoa ansiosa.
Quando falo ansiedade, no meu caso específico, não estou falando daquela ansiedade (ou de grau de) que paralisa, tira o sono, interfere em relacionamentos, atrapalha a vida de forma importante. Não é isso. É aquela sensação – cada vez menos frequente, admito – de que estou em um ringue de boxe, acuado em um corner, com a guarda levantada, esquivando-me de um inimigo imaginário. Como eu chamava antes, a Síndrome da Luta de Boxe, que depois – ao estudar e ler – descobri que poderia classificar como parte da Síndrome do Impostor, e até já escrevi sobre isso anteriormente.
Voltando à ansiedade, aprendi ao longo do tempo que uma forma de lidar com isso é conversando. Eu preciso verbalizar o que me causa ansiedade para lidar melhor com a situação. É a minha forma de trabalhar com isso.
Enquanto outras pessoas preferem ficar quietas, isoladas, ensimesmadas, eu – ao contrário – preciso falar a respeito do que está acontecendo. Ao verbalizar o problema e as sensações associadas, eu consigo colocar o problema em perspectiva, e normalmente não é tão complicado quando parece num primeiro momento. Porém...
Ao dizer que compartilhar o problema me auxilia a lidar com ele, me refiro ao processo de falar, conversar e ouvir outro(s) ponto(s) de vista. Um processo individualizado, face to face, como se diz em business. É diferente de escrever aqui, que é um momento de reflexão meu, figurativamente jogado ao vento, sem um destino exato, sem ao menos importar se alguém vai ler ou não.
Por isso fico incomodado (um problema meu, admito) com quem usa redes sociais (Facebook e, pior, grupos de WhatsApp que não são de amigos ou família) para compartilhar suas ansiedades e/ou previsões catastróficas. Acho que não preciso (não quero, na verdade) ler/ouvir isso.
Se você tem um problema e precisa que eu te ouça ou mesmo ajude, pode falar, pode pedir. Estou aqui para isso também. Sou amigo, pode contar comigo. É pessoal, estamos juntos.
Só acho que gritar ao mundo, sem destino claro, não ajuda ninguém.
Pode ser mau humor também, mas acho que não.
Até.
(Crônicas de uma Pandemia – Trezentos e Quarenta e Cinco Dias)
A pandemia acabou.
Não é verdade, claro, mas – sob certo ponto de vista – é possível dizer isso, sim. Estamos perto da infeliz marca de um ano de pandemia aqui no Brasil, mais especificamente no Sul, aqui nos Pampas. Considero como primeiro dia o dezesseis de março, quando as escolas começaram a fechar, e as primeiras medidas foram tomadas e, para ser honesto, muito antes do vírus realmente chegar e certamente bem antes do que o necessário.
Mas é fácil ser profeta do acontecido.
Pode-se dizer que ninguém sabia como seria o comportamento do vírus, e precisávamos no preparar para isso. Faz sentido. Ainda assim, fechou-se o estado muito antes do necessário e as consequências psicológicas e econômicas são sentidas até agora, quase um ano depois. E ainda estamos em meio a mais uma onda de casos!
Aquela onda, aquele volume de pacientes que esperávamos em abril e maio do ano passado, veio com vários meses de atraso, e veio com tudo. Nunca trabalhei tanto no consultório como nos últimos meses. De verdade. O período de férias agora em fevereiro foi providencial para preparar o que está vindo agora.
Dizia eu, então, que a pandemia acabou.
Porque não há a possibilidade de ficar em casa, evidentemente, pela minha atividade. Saio de casa para trabalhar diariamente, para a prática de atividade física, mas não tenho o luxo de estar próximo aos meus pais e amigos como antes, mesmo que nos falemos (com meus pais) diariamente online. A máscara e o distanciamento estão incorporados à rotina. Seguimos, trabalhando. Muito.
Não escrevo como reclamação, ou como forma de contar vantagem. Também não estou por aí em redes sociais anunciando o apocalipse. Não importa o número de pacientes, o número de horas que atendo, quantos pacientes são de forma presencial ou online. Não importa nem mesmo como me sinto com relação a isso tudo. Não é hora de ego ou de alarmismo. A hora – e falo de mim, apenas - é de trabalhar em silêncio, ajudar quem puder e dar a minha pequena contribuição nesse período que, sim, vai passar.
Até.
(Crônicas de uma Pandemia – Trezentos e Trinta e Nove Dias)
Terça-feira de carnaval.
Carnaval que não foi carnaval em virtude das restrições decorrentes da pandemia. Porém, sempre tem os imbecis que se aglomeraram em festas clandestinas muitas delas dispersadas pela polícia. Chega ser desanimador.
Sempre fui (sou) um defensor das liberdades individuais. Isto posto, cabe lembrar que a liberdade de um termina onde começa a do outro. Ou seja, se a minha liberdade é nociva ao outro, eu tenho que arcar com as consequências dos meus atos. Como com a questão da posse de armas.
Sou a favor de que as pessoas possam ter armas se quiserem. Se seguirem todos os trâmites legais, se preencherem os pré-requisitos, tudo bem. Mas e se o dono da arma matar alguém numa briga trânsito, por exemplo, vocês podem perguntar. Simples, deve pagar pelo ocorrido. Deve ser responsabilizado pelos seus atos.
Isso é (mais) um grande problema no Brasil: a impunidade.
Vale para todas as dimensões da vida.
O que nos faz ser atrasados, subdesenvolvidos.
Desde se responsabilizar pelo mais básico dos atos, como não jogar lixo nas ruas, não vandalizar o patrimônio público, até altas esferas da república, ninguém (com as sempre importantes exceções) tem o compromisso com o que é público. Todos estamos cansados de saber/ver isso. O que se reflete na ausência de um sentimento de fazer parte, de pertencer.
Se eu não pertenço, eu não me importo com os outros.
Vale para quem se aglomera quando não deveria, para quem fura fila de vacina, para quem desvia dinheiro público.
É a falência da civilização.
Até.
(Crônicas de uma Pandemia – Trezentos e Trinta Dias)
Um outro texto antigo, porque estamos de férias, que terminam hoje à noite. Novamente do tempo do exílio, quinze anos atrás. Um texto de ficção. Ou não.
Confissão
Eu larguei a música. Duas vezes.
O que faço, hoje em dia, tocando com amigos e fazendo o meu "blein-blein" por aí, na verdade é uma forma de não perder contato totalmente com essa parte da minha vida, que sempre será importante. Quando digo que larguei a música, me refiro ao show business. Desse, podem crer, quero distância.
Mas nem sempre foi assim.
Há mais ou menos uns dezessete anos atrás, fui convidado para fazer parte de um grupo jovem - não posso revelar o nome por questões contratuais - que fez muito sucesso nas paradas musicais, e atraiu a atenção de muita gente. Tivemos muitos fãs. É possível que algumas dessas fãs ainda tenham posters da banda em seu quarto. Podem até ser minhas leitoras, sem nunca ter se dado conta que sou eu naquele poster na parede.
A trajetória da banda foi a de muitos outros grupos adolescentes. Assinamos contrato com uma grande gravadora, gravamos um disco. Vários shows, fãs histéricas, sutiãs e calcinhas jogadas ao palco, uma loucura. Foi aí que começaram os problemas: primeiro, queriam definir as roupas que usaríamos, nossos cortes de cabelo, o que diríamos em entrevistas. No início, não vi problemas, até que resolveram que teríamos de mudar nosso repertório, nosso estilo. Chamaram compositores para preparar nosso disco seguinte, no qual não teríamos nenhuma ingerência. Só o que teríamos que fazer era cantar. E sorrir. E fazer algumas dublagens em shows de auditório.
Não era certo daquele jeito, argumentei. Disseram que tínhamos que fazer o nosso público feliz. ‘Nhé’, pensei, vamos ver.
Até que num show, percebi que aquilo tudo não era pela nossa música. Até porque as histéricas fãs não ouviam o que estávamos tocando e cantando. Elas só gritavam, choravam, desesperadas. Tudo isso pela nossa simples presença próximo a elas. Aquilo era o bastante.
No final do show, fomos para um hotel. Durante a madrugada, enquanto todos dormiam, deixei o hotel e o show business. O sol nascia, e caminhei em silencio deixando para trás aquela vida que não era para mim. Tudo o que eu queria era uma casa no campo, onde pudesse compor muitos rocks rurais.
Não bastava ser apenas mais um rostinho bonito.
Até.