domingo, setembro 26, 2004

A Sopa 04/10

Tenho andado distraído.

Mas não a ponto de não cuidar ao atravessar a rua, ou perder a estação do metrô. A culpa da minha distração é a música, que toca alto, toma conta do ambiente como a trilha sonora de um filme, em que todos os meus passos são acompanhados por sons às vezes intensos de uma bateria, noutras por suaves linhas melódicas de um violão.

Eu tenho um walkman.

É engraçado, mas – para mim - é nova a experiência de andar pelas ruas ouvindo música, como os fones discretos no ouvido, como as antigas “galenas” que acompanhavam os velhos rádios que só pegavam estações AM, eventualmente algumas das FMs. Nunca antes havia experimentado isso, porque não era seguro, ou andava de carro ou alguma outra desculpa, mas o fato é que não tinha experimentado antes, ao menos com a intensidade que faço agora, esses aparelhos.

O fato de ser uma rotina nova, novos meios de transporte incorporados ao movimento de todas as manhãs, mesmo um improvável bonde (streetcar, chamam-no aqui) parte do passado de Porto Alegre e do presente de Toronto, que circula e pára na parte central da avenida, e faz com que os carros que vêm pelo lado dentro, entre o bonde e a calçada, sejam obrigados a parar, e de fato param, em cada esquina para que os passageiros desçam e subam do veículo em segurança, quase um atravessar a rua, sim, essa nova rotina torna a experiência com o walkman mais intensa.

É um momento de abstração do mundo exterior, que o aparentemente mecânico ato de sair de casa, descer de elevador – tirando o fone para responder ao simpático senhor que pergunta como passei o final de semana, como estará o tempo nos próximos dias, e sim, aguardo o frio com ansiedade – entrar no metrô já com o jornal que é gratuito e atualiza com as notícias locais – já que as do meu pago ouvi e li pela internet antes de sair de casa – descer na estação para fazer aquilo que os franceses chamam de correspondance e aqui de transfer, pegar o bonde até o hospital, ainda atento para descer na parada correta, entrar no hospital, essa rotina que é tão benvinda, toda ela ganha uma cor especial ao ganhar uma trilha sonora diferente a cada dia. Todos os atos ganham um significado diferente quando acompanhados de música.

Além de tudo isso, de ter na música que ouço no walkman uma companhia constante que empresta significados diversos ao fatos corriqueiros de todos os dias, não posso esquecer dos significados ou, melhor, das sensações e imagens que as diferentes músicas representam para mim. É redundante dizer que as músicas e nossas reações a elas estão entre as mais fascinantes experiências subjetivas que podemos ter, comparadas – talvez – ao sentido transcendental que damos a alguns eventos-chave de nossas vidas. Uma mesma música pode ter significados diversos e até opostos para duas pessoas, sem que nenhuma delas esteja errada. Quando ouvidas no walkman, isso tudo é – de certa forma – amplificado. Ganha, então, importância a seleção de Cds que fiz antes de vir para cá, porque estava trazendo comigo parte da minha história, parte da minha própria trilha sonora.

Decidi, de antemão, que em virtude do pouco espaço e da questão do peso da bagagem, traria no máximo 22 Cds para cá. De todos os cds que possuía, tinha que selecionar pouco mais de vinte, que representassem o meu gosto pessoal e que tivessem signifcado na minha vida. Quase uma escolha de Sofia. Quais dos meus “filhos” viriam comigo, já que a maioria ficaria em Porto Alegre? Necessitava de um método de seleção. Depois de pensar muito, já quase no dia da viagem, escolhi os cds da seguinte forma:

1. Cds que representam o Rio Grande do Sul:
a. As Melhores Canções Gaúchas Vol.1
b. Jayme Caetano Braun – Êxitos 1
c. Elton Saldanha – Ao Vivo em Vacaria
d. Vítor Ramil – Ramilonga A Estética do Frio

Clássicos da música gauchesca, com o sentido de ser mais uma forma de me manter próximo à terra onde nasci, de não perder minha ligação com o pampa.

2. Música Gaúcha Urbana
a. Nei Lisboa – Cena Beatnik
b. Vítor Ramil – Tambong

Claro que esta é uma classificação arbitrária, e cds classificados num item fazem também parte de outra(s), é apenas uma forma de sistematização...

3. MPB e Pop Brasil
a. Nando Reis – Infernal
b. Skank – Ao Vivo em Ouro Preto
c. Zeca Baleiro – Líricas
d. Chico Buarque – Coletânea

4. Não Poderiam Faltar
a. Legião Urbana – As Quatro Estações Ao Vivo
b. Cazuza – Ideologia
c. Paralamas do Sucesso – Uns Dias Ao Vivo (2 cds)
d. Beatles – One
e. Simon & Garfunkel – Live in Central Park

5. Não Classificados em Outra Parte (mas não menos importantes)
a. Joss Stone – The Soul Sessions
b. U2 – All That You Can’t Leave Behind
c. Astortango 1 – Piazzolla y el Mundo
d. Pink Floyd – The Final Cut
e. Billie Holiday – Best of
f. U2 – Best 1980-1990

6. Talvez o Mais Importante (que me deixa mais feliz...)
a. Banda da Sopa

Quando cheguei aqui, não eram todos que eu conseguia ouvir, exatamente em virtude dos significados que eles têm para mim. Os do Nei Lisboa e do Zeca Baleiro foram os últimos que ouvi, somente depois de ter superado os dias em que me sentia perdido e saudoso, porque associo eles dois a uma viagem que a Jacque e eu fizemos para a Europa há dois anos e meio atrás, e que foi um momento de intensa felicidade e reafirmação de um casamento feliz. À medida que me senti mais seguro de que ia agüentar a barra de viver aqui, passei a ouvir todos eles.

Por último, mas não menos importante, é a estranha e incrivelmente boa sensação de ouvir – no caso no metrô - um cd que nós (Magno, Márcio e eu) gravamos. Vinha eu, sexta que passou, voltando para casa e ouvindo o cd. Foi muito louco ouvir nossa gravação. Que felicidade! Bendita hora que decidimos – e que o Magno viajou de Ribeirão Preto à Porto Alegre especialmente para isso – entrar em estúdio para gravarmos nosso primeiro cd para que eu pudesse trazer para cá.

Como eu disse anteriormente, sou um cara de sorte.

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Estou, novamente, publicando um texto da querida amiga e “prima” Lúcia Stenzel na versão em anexo que os assinantes recebem por e-mail. Recomendo a leitura, está muito bom mesmo.

6 comentários:

Anônimo disse...

É isso aí meu velho. Depois de uma semana em Chapelco e vários tombos que levei(um deles cinematográfico), estou atualizando a sopa.Quando estava em SP, nunca tive tanta vontade de ouvir músicas do pago ! E olha que nem gostava delas !
É ...nossa trilha sonora é variada.
Aguenta aí, que nós tocamos aqui.
Um abração do Jéferson

Anônimo disse...

Eu acho que sou a pessoa que mais entendo, ao menos no momento, a importância da tua "trilha sonora", tu tens uma memória fantástica para nomes, datas, lugares, episódios, e nós dois, juntos, desenvolvemos uma deliciosa tendência de ter a música como marcante de nossas 3 últimas perfeitas viagens prá Europa, além de muitos outros momentos incríveis...É ótimo saber que te sentes reconfortado em ouvir músicas que marcaram tantos bons (e outras vezes, nem tão bons assim) momentos, e saber que em algum tempo, tu terá desenvolvido um gosto pessoal e intransferível por algumas músicas, aromas e ruídos que vão te lembrar de Toronto...Com amor e admiração da Jacquinha

Luly :) disse...

Marcelo,

Seu blog é muito bacana!
Parabéns!

[]'s

Lu.

Laila disse...

Oi Marcelo,
Vou tentar levar pelo menos uns 50 CDs. Respiro música, não vou conseguir viver sem música brasileira no Canada... Só espero não ficar muito melancólica a cada música que ouvir. :)
Abçs, Laila.

Anônimo disse...

Legal Marcelo, ouvir sons do nosso passado nos ajudam a superar a distancia. Um grande abraço, Fernando Miranda.

Anônimo disse...

Oi Marcelo, obrigado pela visita! :o)
Estou super a fim de comprar um daqueles MP3 bem pequenininho... pro Alessandro poder escutar no caminho do servico...

Everwood, esta com nova temporada, acho que e a segunda, nao assistia no Brasil... mas vou comecar a acompanhar.

Bjs,
Ana