sexta-feira, março 20, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Quinto Dia

Uma história do tempo que morei no Canadá.

Sobre o meu cabelo.

Os primeiros meses após a minha chegada à Toronto, de adaptação à cidade, ao hospital e à nova rotina de vida, envolveu – entre outras situações – encontrar um lugar onde fosse cortar o cabelo. Não quero exagerar, mas foi um estresse. Foram várias tentativas até encontrar o lugar em que mais me senti confortável.

A primeira tentativa foi com um legítimo barbeiro italiano, numa legítima barbearia italiana. Só usava tesouras e se ofendeu quando eu sugeri que usasse máquina. Fui uma vez e só.

Outra tentativa foi cortar o cabelo virado para Meca. De verdade. Meca, nesse caso, era um quadro da Grande Mesquita e o barbeiro era iraniano. Não usava tesouras, apenas a máquina. Foi interessante, tive medo de contrariá-lo... Ficou bom, confesso. Mas não era exatamente o que eu queria. 

Até que, circulando de bonde pela Dundas West, na comunidade portuguesa, encontrei uma barbearia – tam-tam – portuguesa. Foi ali que encontrei quem cortasse o meu cabelo da forma que eu queria.

Mas o que isso tem a ver com a pandemia de coronavirus?

Lembrei a primeira vez em que fui à barbearia portuguesa. Enquanto aguardava para ser atendido, lendo um jornal da comunidade, uma manchete falava sobre um estudo de uma nova medicação que estava sendo testada em cobaias. Dizia: “Em ratos, funciona!”.

Foi o que aconteceu ontem com o estudo sobre a cloroquina, como já falei aqui. Foi um estudo em menos de 30 pacientes, não avaliou resultado clínico. Uma esperança, mas não uma evidência definitiva. Mas foi o que bastou para que pessoas em estado de histeria (é a única definição que consigo dar) comprassem todo estoque da medicação nas farmácias. Será – tomara – uma medicação para uso em pacientes moderados a graves, não como prevenção.

Sei lá.

Hoje foi o dia mais estranho até aqui. O movimento diminuiu muito nas ruas. O movimento nos consultórios diminuiu mais ainda. Colegas do grupo de risco estão em casa. A sensação de que algo grande e grave vem chegando. Uma tempestade, aparentemente.

Voltei para casa mais cedo, onde vou passar o final de semana recluso.

Não temos ideia do que vem por aí, em termos de magnitude.

O jeito é esperar e (tentar) estar preparado  

Até.

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