Não somos heróis.
Hoje, ao voltar do consultório/hospital, passei no supermercado. Tinha uma pequena lista de compras em meu WhatsApp. Não estava lotado, pareceu movimento normal de quinta-feira à tarde. Poucas pessoas com máscara, mas me chamou a atenção uma jovem tatuada, de luvas e duas máscaras cirúrgicas sobrepostas. A amiga, ao lado, usava apenas luvas.
Algumas outras pessoas usavam sacos plásticos como luvas, e um cidadão usava uma máscara que o protegeria, além de vírus, também de gases tóxicos e do agente laranja, provavelmente. Cada um sabe de si, pensei, e fui atrás de fermento para pão e farinha integral. A Jacque e a Marina fizeram pão, aproveitando seu período de reclusão em casa.
Não encontrei.
Aparentemente, concluo, após não terem encontrado pão nos dias anteriores (hoje estavam lá), as pessoas decidiram fazer pão em casa. Logo, acabaram a farinha e o fermento. Papel higiênico havia em grande quantidade. Não, não comprei.
Continuo atendendo normalmente, ou quase isso.
A primeira pergunta que fiz para o neto que levou a avó de 92 anos para consultar foi “o que vocês estão fazendo aqui, numa hora dessas?”. Era uma tosse, mas não era infecção. Ou então ao abrir a porta para a sala de espera quase vazia e me deparar com uma senhora com a máscara tapando a boca, mas com o nariz livre, leve e solto. Olhei e perguntei se tinha tosse, e respondeu que sim. “Então coloca a máscara direito, por favor”, recomendei, e ela respondeu que o consultório estava vazio. Falei que se ela tossisse e eliminasse algum vírus, ele ia ficar no ar e nas superfícies e poderia infectar outros. Atendi a ela usando máscara cirúrgica. Era uma sinusite bacteriana.
Ainda não foi dessa vez.
Continuo seguindo a recomendação de fornecer máscara aos sintomáticos respiratórios, mas estou preparado para usar a máscara quando for necessário, óbvio. A máscara mais efetiva, a N95, reservada para uso durante procedimentos em pacientes está lá, a postos, mas sei que muito em breve vou ser obrigado a tirar a barba para poder usá-la. Hoje não, talvez no final de semana.
Durante o dia, fomos bombardeados com a notícia de que uma medicação antiga, conhecida, havia sido testada e funcionava contra o coronavirus. Já havia sido falado nisso há alguns dias, mas agora havia um estudo, uma evidência científica! Pessoas rapidamente compraram tudo do medicamento que havias nas farmácias, numa atitude sem ética e perigosa.
O estudo em questão é – podemos dizer – uma possível luz no final do túnel. Mas é um estudo com apenas trinta pacientes e que avaliou a carga viral no sexto dia de tratamento. Em pacientes internados. Não se avaliaram desfechos clínicos. Pode ser promissor, mas não dá para sair enlouquecido comprando a medicação.
Mas é a pandemia das redes sociais, qualquer coisa que se diz é amplificada em muito, mas não só isso. Parece que muitos perderam o senso crítico e o rigor científico. Ou a serenidade necessária para entender o que está lendo.
E seguimos.
Como eu disse, não somos heróis.
Mas não devemos fazer papel de bobos.
Até.
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