Duzentos dias.
Inacreditáveis duzentos dias de pandemia aqui no Sul do Mundo. Erros (muitos) e acertos (alguns) ocorreram desde então, na forma com que se lidou com a situação. Ainda tenho a ideia de que nos comportamos, como um todo, população e governantes, como se ainda estivéssemos em 1918 e fosse a gripe espanhola nos aterrorizando. Falando em aterrorizar, já está descrita a mais nova fobia, a coronafobia.
Sério.
Sabemos que, durante pandemias, o medo, a ansiedade e as preocupações são consequências psicológicas importantes. Não seria diferente agora, e já temos estudos descrevendo a coronafobia, o medo de ter COVID-19. A definição de coronafobia é “an excessive triggered response of fear of contracting the virus causing COVID-19, leading to accompanied excessive concern over physiological symptoms, significant stress about personal and occupational loss, increased reassurance and safety seeking behaviors, and avoidance of public places and situations, causing marked impairment in daily life functioning. The triggers involve situations or people involving probability of virus contraction, such as, meeting people, leaving house, travelling, reading the updates or news, falling ill or going for work outside”.
Temos visto por aí, em maior ou menor gravidade, muitos casos de coronafobia. Informação séria, sem vieses ideológicos, pode ser parte do tratamento. Para alguns, é tudo o que é necessário.
E mesmo que tenhamos receios reais (e mesmo diversos imaginários) temos que seguir a vida, com as precauções de sempre. Lembrar sempre, também, que o vírus não é o único risco a que estamos potencialmente expostos.
Hoje de manhã, fui cortar o cabelo e aparar a barba. Numa barbearia, como faço desde que passei a cultivar a barba. Pequena distância de casa, vou andando. Chove na manhã quente de Porto Alegre. Chego no horário marcado, sou o primeiro cliente da manhã.
Cabelo cortado, passamos à barba.
Decido baixá-la bem, máquina um, porque facilita com relação à máscara que uso para trabalhar. Além disso, a ideia é deixá-la maior no inverno. Começa com a máquina (rasuradora em espanhol, informação irrelevante no momento) e, para os “ajustes precisos”, a navalha. É colocada uma toalha quente no rosto para amaciar a pele e, a seguir, com os olhos cobertos também por uma toalha (não quente dessa vez) é o momento de terminar o serviço em detalhes.
É nesse momento que penso, de olhos fechados, uma toalha sobre meus olhos, que esse é o melhor momento para quem quisesse me assassinar. Uma navalha, meu pescoço ali, exposto, disponível. Seria muito simples. Uma simples passada da navalha com uma pressão maior, sobre a minha carótida, eu sentiria a dor aguda do corte, um líquido quente e viscoso escorrendo pelo meu pescoço por poucos segundos antes de perder a consciência, e minha cabeça pender para o lado, já sem vida.
Seria rápido, quase indolor.
Baixariam as cortinas do local para retirar o meu corpo da cadeira e limpar o sangue que estaria espalhado pelo local, aquele odor ocre de sangue coagulado. Numa sala no fundo do local (administrado pela máfia, numa liberdade criativa minha) meu corpo seria esquartejado e meu restos levados embora, apagando qualquer vestígio de que eu estivera algum dia.
Eu simplesmente desapareceria do mundo.
Seria procurado. Família e amigos fariam vigílias, correntes em redes sociais e colariam cartazes em postes. Tudo em vão. Com o tempo, eu seria a história do cara que saiu de casa para cortar o cabelo e nunca mais voltou.
Duzentos dias de pandemia.
Está na hora de acabar...
Até.
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