(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa Dias)
Há mais de meio ano, a vida está em suspenso.
Apesar de sair de casa todos os dias, de ir ao hospital, trabalhar, fazer atividade física, fazer compras no supermercado, mesmo com essas atividades de vida diária ocorrendo quase como antes, sim, a vida permanece em suspenso. Não sabemos como será o próximo dia, riscamos o calendário (mesmo que virtualmente) cada dia que termina, pois é mais um que se foi e menos um até o final dessa prisão.
Isso. Estamos presos desde março, e não sabemos até quando.
Quando voltaremos a vivermos de forma leve, sem máscaras (reais e imaginárias). Aliás, quantas máscaras caíram nesses dias de pandemia?
Deixa para lá.
Penso no que estamos perdendo, do que estamos sendo privados. E volto ao princípio da churrasqueira em casa, que tem o seguinte enunciado: Se vou fazer churrasco ou não, não importa. O importante é o poder fazer, caso eu queira. O que isso tem a ver com a pandemia?
Existem atividades/situações que eram ou não habituais, semanais, eventuais, circunstanciais ou não, e que tem feito muita falta. Pode-se argumentar que essa sensação é só porque não são possíveis os encontros sociais no momento, e é verdade, e não importa.
O almoço de domingo na casa dos meus pais. O almoço de sábado com os meus sogros e a Karina. As idas à Montenegro na casa do Giba. Os almoços e jantares de família aqui em casa. Os churrascos no Tio Vicente. Os Ein Prosit cantados pelos Lehmann. Nova York, no Brooklyn. Os planos de viagem. O churrasco de sexta-feira na Porto Belo com o Xandi, que já não fazíamos há alguns anos por incompatibilidade de horários. A reunião da Turma do Muro. Os encontros com o Radica (que voltou a morar em Porto Alegre depois de quase dez anos) e o Márcio. Os encontros (e os planos de viagem) com o Pedro e a Zeca. As reuniões do Trio Rainbow (Giovana, Sofia e Marina) e os planos de viagem. Os churrascos das famílias da turma da Marina do Bom Conselho. Os Churras da Libertadores que já há tempos não tem nada a ver com a Libertadores. As quartas-feiras de manhã na radiologia do Pavilhão Pereira Filho com o Thiago e a Ana. As tardes de quarta-feira no ambulatório de Fibrose Cística da PUC. Os almoços de quinta-feira no Leco, na mesa redonda reservada para nós. A pescaria na Argentina que teria sido semana passada, que seria a minha primeira com o grupo do almoço e o Magno junto. As antigas noites em que ficávamos aqui em casa conversando e tocando música até madrugada, e o Magno acabava dormindo no sofá na sala que já não existe mais. As Sopas de Ervilhas Anuais do Marcelo. As noites em claro caminhando por Porto Alegre. Os encontros com os colegas da Escola Técnica de Comércio. E com os colegas do primeiro grau. Os pequenos eventos de laboratório em que jantávamos, tomávamos vinho e ríamos muito até às dez horas da noite, quando era hora de voltar. O Passo de Brenner. Rasun di Sopra no Natal. Carnaval em Innsbrück. Uma foto Beatle em Dobbiacco. Neve em Banff e Lake Louise Inn. Utah Beah e Omaha. Os Perdidos na Espace. Os planos de viagem. Mesmo as memórias mais antigas, pessoas e lugares que estão no passado e não voltam mais, como a casa dos meus avós em Montenegro e a iluminação noturna na época do Natal, o silêncio após o almoço e o sol alto dos verões no Imbé, na casa que não existe mais em meu mundo, as manhãs de sábado de sol de verão. A vontade de morar um tempo fora do Brasil. Os planos de viagem.
O isolamento e o distanciamento também nos fazem voltar no tempo.
Seis meses de reclusão até aqui.
Vai acabar.
Até.
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