quinta-feira, setembro 24, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa e Quatro Dias

Vocês ainda lembram?

 

De como era lá em março, quando tudo isso começou?

 

Não falo da vida normal, do dia-a-dia, que alguns insistem em afirmar que não voltará a ser como antes, como – aliás – nunca é. Nada será como antes, amanhã, já diz a música. Nunca é e nem nunca somos, e volto às águas do rio de Heráclito, que nunca são cruzadas duas vezes, porque não são as mesmas águas e não somos os mesmos.

 

Estou falando, isso sim, do início da pandemia, quando – apavorados pelo não conhecimento do que acontecia – entramos em uma quarentena (in)voluntária para diminuir a disseminação do vírus, para que o sistema de saúde se preparasse para a sobrecarga de pacientes. Achatar a curva, esse o objetivo combinado.

 

E a achatamos.

 

Mas o que significava achatar a curva, afinal de contas?

 

Que o ritmo de infecção fosse reduzido a ponto de o número de casos graves não ultrapassasse a capacidade de atendimento, principalmente em termos de leitos de UTI e respiradores. Reforço bem esse ponto: reduzir o ritmo de infecção. Em nenhum momento se falou em evitar que as pessoas se infectassem em algum momento. Queríamos proteger aqueles em risco de formas graves. Nunca foi impedir o vírus de circular.

 

Até porque isso é impossível. 

 

Virus gonna virus, diz a expressão. Ou seja, o vírus vai circular, independente do que fizermos. O certo a ser feito é minimizar os seus efeitos na medida do possível, principalmente protegendo aqueles que são mais vulneráveis a ele. Idosos, portadores de doenças crônicas, obesos. Distanciamento social, evitar aglomerações em locais fechados, uso de máscaras, lavagem de mãos, álcool gel.

 

O problema é que em algum momento a narrativa (sempre a narrativa) mudou completamente. De achatamento da curva (velocidade menor na taxa de infecção e, consequentemente, de casos graves e mortes) passou-se a – mesmo que indiretamente, subliminarmente – pensar em ninguém se infectar. Desse pensamento para a ideia mágica de que as coisas só devem voltar a um certo normal com uma possível vacina foi um pequeno passo. Irracional, mas dentro de uma certa lógica.

 

E então misturaram no meio do caminho a política, e as coisas “pioraram”.

 

A cobertura negativa, alarmista e irresponsável às raias de ser criminosa de determinada parte da imprensa tem levado o grande público ao medo exagerado, com consequências bem ruins. E quem ousasse questionar qualquer um dos novos dogmas estabelecidos (“fique em casa”, “até agosto morrerão um milhão de brasileiros”, “a economia a gente vê depois”) era chamado de egoísta, genocida e terraplanista. A Suécia? “Experimento”, diziam. Berravam por aí que suas condutas eram “ciência”, como se fossem os donos da verdade. Nunca foram.

 

E nunca admitirão isso.

 

Em ciência devemos ser, antes de tudo, humildes. Nunca esquecer que, se enxergamos longe, é porque estamos sobre os ombros de gigantes. Os que vieram e estudaram antes do nós, que criaram hipóteses, as testaram, erraram, fizeram ajustes, novos estudos até chegaram a conclusões que serão verdadeiras até novos conhecimentos surgirem que substituem os atuais. Sempre foi assim. Sempre será.

 

Aqui no sul do mundo, onde o vírus chegou bem depois, parece que já passamos pelo pior, e a curva começa de cair. Observemos. Tentando olhar o mundo baseado nos fatos, não na narrativa de fim de mundo.

 

Até. 

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