Estava lendo a revista Time, edição Canadá – cuja capa desta semana, aliás, é “What really goes on Inside a Canadian Hospital” da qual falo num próximo dia – e me deparei com uma reportagem que questiona o que o Bush deve às organizações religiosas que, claro, são conservadoras e o apoiaram intensamente.
E aí temos várias questões delicadas, que incluem o casamento de pessoas do mesmo sexo, aborto, censura a programas de TV, pesquisas com células-tronco, etc.
Com a eleição do pequeno Bush, esses grupos religiosos super-conservadores estão certos de que sua agenda ou, melhor, suas demandas serão atendidas. Como diz Michael Farris, presidente da Home School Legal Defense Association: “Ele não é o típico político que nos entende, ele é um de nós”. Dá pra imaginar o que vem por aí…
Fiquei, então pensando em qual são minhas opiniões sobre esses assuntos, cheguei na questão do aborto e lembrei de uma secretária que tive no consultório há uns anos atrás.
Ela tinha sido secretária de uma clínica em que fui sócio por um ou dois anos em Osório, litoral do Rio Grande do Sul. Um tempo depois de eu ter saído da clínica, fiquei sabendo que ela tinha se mudado para Porto Alegre para tentar a vida lá. Detalhe, ela tinha uma filha de uns três ou quatro anos e era separada do pai da criança. Por isso, ao se mudar, deixou a filha com os pais e foi morar com uma amiga.
Trabalhou alguns poucos meses num loja num shopping center até que a loja fechou e ela perdeu o emprego. Como estávamos trocando de secretária no consultório, nós a contratamos.
Uns meses depois, ela ficou doente: sentia-se mal, enjoada, e, dizia, com dor de estômago. Doente, trabalhando num consultório médico. Uns dias depois, a Sandra – uma das sócias do consultório e que agora está logo ao sul aqui da fronteira, na Clínica Mayo – levou-a ao hospital para uns exames. Diagnóstico, claro: estava grávida.
Nesta época, tinha trazido a filha para morar com ela em Porto Alegre, e quase todo o salário dela ia para pagar a escolinha e alimentação da filha. Tinha dias que ficava sem almoçar por falta de dinheiro. Já tínhamos até aumentado o salário para ajudá-la e eventualmente algum de nós levava alguma coisa para o seu almoço. Como é que ela conseguiria criar outro filho sozinha, já que o pai da criança em gestação era um ex-namorado com quem tinha tido uma “recaída”? Ela só via uma opção, e deixou bem claro isso para nós: fazer um aborto.
Conseguiu metade do dinheiro e o ex a outra metade, e foi fazer um aborto numa clínica clandestina no centro da cidade. Correu tudo bem, sem complicações, por sorte, eu diria. Voltou ao trabalho uns dias depois e seguiu a vida.
Antes de fazer o procedimento, conversamos e ela me perguntou se eu era contra ou a favor o que ela ia fazer. Disse que não me dizia respeito, eu não tinha o direito de ser a favor ou contra o que ela ia fazer. Era uma decisão única e exclusivamente dela e do ex-namorado. Por princípio, contra o aborto, mas quem deve decidir isso, sempre, é quem está envolvido diretamente no caso. E também não faço julgamentos morais ou religiosos.
Assim com o casamento de pessoas do mesmo sexo. Mas sou a favor da pesquisa com células-tronco e radicalmente contra a censura.
E a favor da tolerância, sempre.
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