sexta-feira, novembro 15, 2024

Histórias de Consultório (3)

O Fantasma do Moinhos.

 

Uma paciente já de alguns anos, que havia iniciado acompanhamento comigo em uma avaliação preparatória para uma cirurgia bariátrica que nunca aconteceu, e que – por ser portadora de asma - acabou ao longo do tempo se tornando minha paciente e amiga. Como vive sozinha, acaba passando longos períodos do ano morando na França, em Paris. Por já ser bem conhecida minha, muitas vezes faço orientações por mensagens e ligações telefônicas.

 

Ao longo do tempo, desenvolveu um quadro de artrose em ombro (e escrevo isso com o fantasma da dor em meu ombro esquerdo pairando sobre mim) que foi agravando a ponto de ser indicada a colocação de uma prótese, procedimento esse realizado na metade desse ano no Hospital Moinhos de Vento. O procedimento em si ocorreu sem intercorrências, mas o pós-operatório foi complicado por uma queda na oxigenação dela e por dores, atrozes, na versão que ela contou. Por isso, foi medicada com altas doses de morfina e também do canabidiol que utiliza para o seu quadro, diz que ficou muito tempo meio ”fora do ar”. 

 

Devido às complicações clínicas que teve, um médico internista foi chamado para avaliá-la e orientar o tratamento. Em virtude dos horários complicados de quem faz internação, provavelmente por isso esse internista ia vê-la diariamente em horários alternativos, normalmente à noite, quando havia pouco movimento na UTI. 

 

Devido ao efeito das medicações, e pelo fato de estar em uma UTI, a noção de tempo havia sido perdida, e como o médico – ao vê-la – mais ouvia o que ela tinha a dizer do que falava alguma coisa, ela se convenceu que era um fantasma quem a visitava durante às noites do hospital. Criou (criamos, na consulta) uma narrativa que envolvia um antigo médico alemão que havia morrido solitário muitos anos antes e hoje circulava à noite pelos corredores do Moinhos de Vento, o hospital, conversando com os pacientes, buscando e levando conforto a quem precisasse, a quem estivesse se sentindo só, desamparado. 

 

Ficou sinceramente decepcionada quando descobriu a verdade.

 

Eu também fiquei, eu também fiquei.


Até. 

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