quinta-feira, novembro 18, 2004

O Bonde

Gosto de andar de bonde.

Aqui eles chamam de ‘street car’, para diferenciar dos ônibus. Quando vou para um dos hospitais, tenho a opção de pegar o metrô, descer duas estações depois e pegar o bonde que vai me largar na frente do Toronto Western. Quando os dias estão bonitos – e tivemos vários assim na semana que passou – gosto de ir olhando a paisagem. As lojas, as casas estreitas de dois andares, passando pela bairro português, o café Bota Fogo, a casa de carnes Nosso Talho, e por assim vai.

Vinha eu, absorto em pensamentos paralelos e ouvindo música gauchesca no meu discman, olhando para fora, quando presenciei uma cena diferente.

Pela calçada, ia um daquelas máquinas de limpar a rua, que é um misto de aspirador de pó gigante com um carrinho de golfe, com o funcionário dirigindo-a e dando direção à grande “tromba” que sai do alto do carrinho e que aspira as folhas. Ao olhar, notei que a calçada estava vazia, sem pessoas, exceto por uma transeunte de traços orientais que corria à frente da máquina, atrasada por certo. Mas parecia que ela estava fugindo da máquina, que agora me parecia um monstro perseguindo-a.

“Enquanto isso, em Tóquio…” foi a primeira coisa que me veio à cabeça. De repente eu estava em um filme japonês e um monstro perseguia uma indefesa vítima. Olho para os outros passageiros: impassíveis, como se nada estivesse acontecendo. Viro e miro o céu, aguardando o surgimento do, sei lá, ultraman. Nada. Já imagino o seguimento do drama: a menina correndo, cai no chão, o monstro chega e com sua grande tromba a pega pelo pé, ela grita de horror e dor, alguém tenta ajudá-la, mas é em vão. Só resta, na calçada, sangue e o iPod que ela vinha escutando.

Nisso, chega o ponto em que devo descer. Por um instante, esqueço da tragédia que se desenrolava na rua. Desço e me dirijo até a esquina, onde vou atravessar a rua para chegar ao hospital. Aguardando abrir o sinal para os pedestres, de repente viro para o lado, e a máquina, o monstro, está chegando em mim. Por um instante, cogito levantar os braços e sair correndo e gritando por socorro.

O sinal abre. Atravesso a rua.

Começa mais um dia de trabalho.

4 comentários:

Anônimo disse...

Enquanto eu lia tua estória, juro que enxerguei exatemente o que tu estava descrevendo e por um breve momento eu vi tu, o Freddy e o Petterson conversando animadamente sobre uma estória absurda e fantástica...ou seria o Calvin conversando com seu tigre Hobbes (Haroldo)? Beeeeem legal, love you Jacque

marcelo disse...

RESPOSTA:

Pati,

Pois pega um banquinho, chega mais perto e seja bem vinda!
É sempre uma satisfação saber que temos leitores, melhor ainda quando se apresentam! E além de tudo, sempre tem "sopa" para mais um...

um abraço.

Anônimo disse...

Oi Marcelo,

Já há alguns dias venho acompanhando esta Sopa, que sem dúvida é uma verdadeira e agradável leitura. Parabéns! Com relação ao monstro fiquei imaginando a cena. Sorte que você conseguiu atravessar a rua antes da chegada dele.

Um abraço,

Bruno
http://pedromarsiaj.blogspot.com

Anônimo disse...

Cello, sorry mas essa é prá Pati que escreveu logo ali em cima...pois é Pati, eu sou a Jacque do Marcelo, sozinha e longe desse "cara" tão legal(tão bom pneumologista quanto escrito, na minha humilde opinião)...a Ponte aérea Toronto-Porto Alegre não é muito barata, e por isso estamos 3 loooooooongos meses afastados, depois de 8 anos de casamento e um a mais de namoro, com pequenos períodos longe um do outro...faltam só 16 dias pro Marcelo chegar em Porto Alegre prá me ver e depois, vamos os dois prá New York e Toronto...pena que em 14 de Janeiro eu volto prá minha rotina em POA e ele fica até 2006 em Toronto...c´é la vie... um abraço Jacque do Marcelo da Sopa no exílio (isso ficou estranho, vou suspender o vinho...)