domingo, novembro 28, 2004

A Sopa 04/19

Noite de sexta-feira (quando comecei a escrever). A única luz que brilha na casa é a da tela do computador onde ora escrevo. Ao meu lado, envolta pela escuridão, está a caneca de chá quente. A cortina aberta desvenda um mar de luzes, amarelas, brancas e vermelhas. Toronto à noite, vista do vigésimo-primeiro andar. Olho para o norte, leste e oeste: a cidade parece não ter fim. O céu é nublado, sem estrelas a iluminar as ruas que hoje cedo eram brancas da primeira neve, débil e fugaz.

A música que ouço vem de terras distantes, do sul do mundo.

“Sei que não tenho idade
Sei que não tenho nome
Só minha juventude
O que não é nada mal”

Estou voltando.

Não para ficar, não em definitivo.

Volto para um ritual de passagem, o final de um ciclo.

E para reencontrar a mulher que é tudo para mim, e muito mais.

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Por estes dias, tenho ouvido sons que me remetem ao passado.

É sempre interessante o efeito “máquina do tempo” que alguns lugares, algumas situações e, principalmente, algumas músicas, tem em mim. Não é uma sensação nova, claro. Nem exclusiva. Todos somos assim.

Tenho muitas canções, muitas referências, muitas estórias para contar. Aqui em Toronto, estou escrevendo mais um dos capítulos.

Três discos têm rodado com certa freqüência aqui. Todos fundamentais.

O primeiro é ‘Tango’, do Vítor Ramil. ‘Loucos de Cara’, música que encerra este disco de 1987, é praticamente um hino, uma mensagem para não ser esquecida: “Se um dia qualquer tudo pulsar num imenso vazio, coisas saindo do nada, indo pro nada / Se mais nada existir, mesmo o que sempre chamamos real / E isso pra ti for tão claro, que nem percebas / Se um dia qualquer, ter lucidez for o mesmo que andar e não notares que andas, o tempo inteiro / É sinal que valeu, pega carona no carro que vem, e se ele é azul / Não importa, fica na tua”. Fica na tua. Esquece o que os outros vão pensar ou dizer, segue teu caminho. Ele não me transporta à nenhuma época em especial, mas a um tempo – como diz a citação no começo deste texto – em que não tínhamos muito mais que nossa juventude.

O segundo, chama-se ‘Ideologia’, do Cazuza, de 1988, e me transporta justamente ao ano de seu lançamento. A música que dá título ao disco, ‘Ideologia’, fala justamente de alguns questionamentos que me fiz naquela época e – uma vez e outra – ainda me faço. ‘Faz Parte do Meu Show’ me leva a uma noite de julho, numa quase deserta cidade do litoral norte do Rio Grande do Sul, frio, um bar, um grupo de amigos e uma menina. ‘Obrigado (por ter se mandado)’ lembra o final da história com essa menina… ‘Boas Novas’ me transporta à 1990, quando “vi a cara da morte e ela estava viva”. E, finalmente, ‘Minha flor,meu bebê’, que é uma das mais lindas canções de amor que conheço.

O terceiro disco que tenho ouvido e que me faz voltar a um tempo que passou, e que é bom de lembrar, é o ‘Dois’, do Legião Urbana, de 1986. Esse foi um disco que definiu muita coisa em muitas vidas, com letras que diziam de forma poética aquilo que precisávamos dizer. Foi um marco para mim, e para aqueles com quem cresci e que, juntos, continuamos mantendo muitos pontos de intersecção em nossos caminho pela vida. Todas as músicas têm algum significado, mas vou destacar só Andrea Doria, que fala sobre isso mesmo, sobre ter “alguém com quem conversar, alguém que depois não use o que eu disse contra mim”. Quando encontramos pessoas assim, não podemos perdê-las de vista…

E você, quais são as músicas que te levam de volta ao passado? Por quê?