domingo, fevereiro 13, 2005

A Sopa 04/30

O exílio como metáfora da morte.

Esses dias, enquanto a Jacque me contava que a Roberta, minha afilhada de oito anos, tinha chegado em casa às três da manhã numa das noites de carnaval – havia saído com as primas sob supervisão do Paulo e do Fernando, pais das meninas, da Roberta e da Carolina e Fernanda, respectivamente - e que permaneceria na praia, na casa dos avós, por mais uns dias, eu disse a ela que tinha certeza que eles já haviam me esquecido.

Exagero, claro. Mas nem tanto. E voltei a pensar nesse assunto, algo em que já não pensava há um bom tempo: o exílio é como a morte. E essa afirmação não é composta por nenhum tipo de drama, saudades ou solidão. É parte daquilo em que me envolvi ao decidir que seria bom vir para cá, tanto no plano profissional como pessoal. E eu já sabia que seria assim.

O partir é como o morrer. De repente, somos “arrancados” da realidade em que vivemos, do mundo tal como conhecemos, e “caímos” em outro, onde não temos referências, vínculos ou mesmo passado. Nem mesmo a referência mais básica, um lugar onde ficar, temos. Tudo deverá ser construído a partir do zero. Mas não totalmente do zero, afinal ainda somos o que éramos na “vida passada”, e é a partir disso que vamos nos estabelecer material e emocionalmente.

Assim como com a morte, por mais que nos consideremos preparados e esperando pelo seu acontecimento, a ida para o exílio sempre ocorre num momento em que ainda não estamos totalmente prontos para partir. Por isso, sempre ficam coisas a serem ditas, assuntos pendentes. E a aceitação da morte (exílio) é mais difícil no seu início. A demora (que não é tão longa assim) de adaptação se relaciona às questões que ficaram pendentes. Ou à qualidade da vida que se tinha antes de morrer (ir para o exílio).

Quanto melhor a qualidade de vida, e falo no sentido das relações pessoais, cônjuge, família, amigos, colegas de trabalho, mais difícil vai ser partir e mais dolorosa vai ser a ausência, principalmente no início, quando ainda não foram criadas ligações com o novo local em que se vai viver. Depois, à medida que novos laços são criados, a angústia que a ausência (e, por que não, segurança) dos grupos de convívio anteriores diminui. Sempre há saudades, óbvio.

E há algo de paradoxal nisso tudo. São as boas lembranças do passado (de quando estávamos na casa antiga) que causam essa angústia, inquietação, sofrimento até, mas são elas também que nos confortam nestes mesmos momentos. Ela são a cura para o mal que estão causando. E assim vai-se vivendo enquanto aprendemos novamente a andar em linha reta (metáfora que ficará óbvia logo adiante) e tentamos readquirir a noção de perspectiva e profundidade, como quando ficamos um tempo em coma e temos que nos readaptar ao mundo.

Se o exílio é como a morte para quem vai, ele também o é para quem fica, e começa a fechar o círculo que comecei quando falei do carnaval da minha afilhada. A vida continua para quem fica, óbvia constatação, e o que acontece é que as pessoas se acostumam com a ausência de quem foi. A ausência passa a ser normal – também óbvia constatação do ciclo normal da vida – e com o tempo a tendência é que quem foi torne-se uma lembrança distante. É o barco que segue, sempre, independente de quem está a bordo ou quem está no leme.

E a volta? Pode ser considerada como uma forma de ressurreição? Quem estava no “mundo dos mortos” (metáfora fraca para o exílio) ressurge do nada, e tudo volta a ser como era?

Não, os mortos não voltam. Quem aparece ao final do exílio pode até ser muito parecido com quem foi, as mesma feições, os mesmos trejeitos, os mesmos vícios de línguagem (“na verdade”…), mas não é a mesma pessoa. É outro, e vai ter que se enquandrar nessa nova vida, que não é a mesma de antes da partida.

4 comentários:

Anônimo disse...

Mas o melhor disso tudo, Marcelo, é que a gente melhora, e aquele que 'ressurece' é claramente, como dissestes, diferente, mas um pouco mais leve, um pouco menos intolerante e um bom bocado mais humano, porque essa experîência da gente aqui tem um alto custo emocional, mas nos recompensa na mesma moeda.

E eu acho que aprender sobre a gente, e consequentemente aprender a entender melhor os outros, é a maior lição que a gente tira do 'exílio'.

abraço,

Diego

Anônimo disse...

Grande Marcelo, como escreveu o filosofo, nunca nos banhamos no mesmo rio, outro sera o homem, outra sera a agua. Otimo o teu texto sobre o exilio, parabens. Em tempo, gostaria de continuar recebendo a Sopa. Um abraço, Fernando Miranda.

Anônimo disse...

Meu comentário é...quero continuar recebendo a Sopa. Vitor.

Anônimo disse...

Contei 9 referência à morte neste post:

"metáfora da morte"
"o exílio é como a morte"
"O partir é como o morrer"
"Assim como com a morte, por mais que nos consideremos preparados"
"a aceitação da morte (exílio) é mais difícil no seu início"
"antes de morrer"
"Se o exílio é como a morte para quem vai"
"estava no “mundo dos mortos”"
"mortos não voltam"

Segundo o Aurélio: morte é o FIM DA VIDA.

Principais diferenças entre morte e exílio:
1. morte é irreversível, exílio não
2. morte é inevitáve, exílio não
3. a morte não parece ter nada de bom, quase sempre - exílio parece ter vários atrativos, quase sempre
4. morte é o FIM, exílio é o INTERVALO

* quem vai voltar do exílio é o mesmo Marcelo sim, que é o mesmíssimo desde 1989, pelo menos, exceto por pequenos "upgrades".

São pensamentos muito ruins para um domingo de manhã, quando tu deveria estar planejando um churrasco....

Petterson