(Crônicas de uma Pandemia – Trigésimo Quinto Dia)
As noites, por esses dias de coronavírus, tem sido boas.
O tempo maior passado em casa, a quase ausência de atividades fora de casa no período da manhã, tem garantido horas adequadas de sono, como há muito não acontecia. Uma boa notícia em meio a tantas incertezas. A melhor qualidade de sono implica em mais e diversos sonhos. Com referencias ao passado e alguma coisa do presente.
Como outro dia que sonhei com a casa da praia, uma vez mais. A casa que foi vendida há algum tempo, mas que esteve presente em nossas vidas por longos anos. Volta e meia sonho com a casa, e sei que foi vendida, mesmo no sonho. Essa última vez, ela estava à venda, e por um preço bem barato. Meus pais, que estavam comigo, tentavam me convencer de que não valia à pena comprá-la de volta, pois estava velha, com cupins e necessitaria de muitos reparos. Não sei como terminou o sonho.
Mas me fez lembrar da casa, do lugar e da turma, a Turma do Muro, como anos depois nos denominamos. Mais do que tudo, lembrei de um tempo que – como todos os que vivemos – não volta mais.
A estação, verão. Litoral norte do Rio Grande do Sul, um balneário que depois virou cidade, Imbé. A rua, uma avenida chamada Rio Grande, que saía da ponte de Tramandaí e seguia, algo curva, em direção ao norte até o final da praia, onde acabavam as casas e havia uma grande área de vegetação rasteira e areia que ia terminar onde novamente começavam as casas, mas aí já estávamos no balneário ao lado, Morada do Sol (ou Presidente, as fronteiras do litoral são sempre imprecisas). Num pequeno trecho desta avenida, entre as também avenidas Santa Rosa e Garibaldi, no terço final da quadra, mais próxima à Garibaldi, ficava a Terra (Turma) do Muro.
Indo pela Av. Rio Grande em sentido ao norte, no lado direito, começava por um campo de futebol e uma casa, o campinho do Pimenta. Era ali que ocorriam os jogos de futebol de final de tarde em que jogavam os mais velhos e que durante anos assistimos até que fomos “promovidos” e passamos a jogar ali também, todos os finais de tarde do verão, de pés descalços. Ao lado da casa do Pimenta, estavam o campo de futebol e a casa do Adriano, com o muro – ponto de encontro da turma e que deu nome ao grupo – em frente. Era ali que nos encontrávamos todos os dias, manhã, tarde e noite, antes de sair e na volta das festas.
A casa do Adriano era uma casa de alvenaria, grande, térrea, com o gramado ao lado. No fundo, um balanço amarelo, destes para duas pessoas. Nos fundos da casa, havia um terreno baldio, onde uma vez cavamos uma cova rasa e enterramos o Vítor para depois assustar o Beto e o Fernando. Ao lado da casa do Adriano estava a do Titico, de nome José Antônio, mas que só era chamado assim por sua mãe quando ele havia feito algo que não devia. Era um chalé de madeira que depois foi revestido de tijolos.
Em frente às casas do Adriano e do Titico, do outro lado da rua, estava a da Stefania, irmã mais velha dos menores que nós Ramiro (nem tanto) e Estevão. Uma casa de pedra, pintada de branco com portas e janelas escuras, sem muro frontal. Ela não fez parte da turma nos seus primórdios, pois ainda não passava o verão lá, e quando começou a passar suas férias em Imbé levou consigo duas amigas, a Mônica – de passagem fugaz pela turma – e a Juliana. Ao lado da casa da Stefania, finalmente, ficava a casa do Vítor, o mais velho da turma (três meses mais velho que eu) até a entrada do Paulo Marcelo, um mês mais velho que ele. Também deve ter sido um chalé de madeira que foi revestido de tijolos, mas não tenho lembrança de como era anteriormente.
Atravessando a rua novamente, depois da casa do Titico, havia duas casas, a do Marcelo, que morava em Gravataí e era dos mais velhos, mais ou menos cinco anos a mais que os mais velhos da nossa turma, e uma casa azul de madeira que ficava no fundo de um terreno cheio de altos pinheiros. Ao lado desta, em dois terrenos, estava a casa em que o Neni (meu irmão) e eu passávamos os verões, e que ainda aparece volta e meia em sonhos.
Eram duas casas, a da frente, um chalé verde de madeira com janelas e portas brancas, e a casa dos fundos, de pedra, que havia sido uma garagem e foi aumentada para poder hospedar mais pessoas. A casa dos fundos era composta de uma copa/cozinha/garagem, com churrasqueira, fogão, geladeira, um banheiro (rosa, naquele tempo), uma salinha de estar e um grande quarto que fora dividido em dois. Com essa divisão, havia ficado com um quarto com duas camas e janela e a “solitária”, como chamávamos, um quarto pequeno sem janelas e duas camas, sendo uma de molas. Durante um tempo, dormíamos na casa da frente e depois, maiores, passamos a ficar na casa dos fundos, onde podíamos chegar a qualquer hora da madrugada que não acordaríamos o pai e a mãe.
Separada por um pequeno muro de cerca de 50cm, ficava a casa dos irmãos Beto e Fernando e seu primo Júlio César, o Julinho. Assim como a nossa, que fora do meu avô e foi herdada pelos meus pais, a casa deles era do avô comum. Por serem uma família grande, com vários irmãos e muitos primos, a casa estava sempre cheia. Em frente à casa deles, em diagonal, ficava a casa da Adriana. Ao lado desta, e já na esquina com a Av. Garibaldi, estava a casa das irmãs Claudine e Valerie.
Este foi o núcleo geográfico inicial da ‘Turma do Muro’, que depois agregou territórios em outras ruas do Imbé, no caso dos irmãos Rafael e Tatiana, da Carla, da Laura, da Milene, do Duda, do Paulo Marcelo, do Tuca, da Ana Amélia – que dizia que ia ser Paquita – da Florence e até em Tramandaí, na casa do Fernandão, sede dos famosos churrascos anuais da Perversa (histórias para um dia desses).
Muitas histórias, muitas lembranças.
De tempos em tempos ainda nos reuníamos, o que agora não é uma opção, só que esses dias de distanciamento social faz bater aquela vontade de estar junto novamente, de lembrar de antigas histórias, reconectar com nossa própria história, de nos lembrarmos quem fomos e quem somos.
Até.