terça-feira, dezembro 31, 2024

O Último

Dia.

 

De. Dois. Mil. Vinte. E. Quatro.

 

Entre os feriados de final de ano, prefiro o Natal. Pelo espírito, pela reunião de família, pelos bons sentimentos associados (pelos filmes de Natal, uma tradição em casa). Já com relação ao Ano Novo, prefiro a simbologia à festa em si.

 

Poderia, sem problema nenhum, passar um Ano Novo sozinho, em casa. Ouviria música, veria um filme, dormiria não muito tarde. Seria bem bom.

 

Claro que gosto de estar entre pessoas, família e amigos, mas – como eu disse – ficaria em casa, sozinho, bem feliz também. Acho o momento muito mais apropriado para a reflexão, para pensar a vida. Nada contra as festas, de verdade, participo feliz, mas não sentiria falta se não houvesse. De novo, sou team Natal cem por cento.  

 

Já com relação aos fogos de artifício, definitivamente sou contra.

 

Eles são legais para quem tem até uns oito anos de idade. Depois disso, são variações sobre um mesmo tema. Não vejo sentido em soltar fogos no réveillon, ainda mais quando são barulhentos. Lembro dos finais de ano na praia, quando desde o dia trinta pela manhã as pessoas (os idiotas) começavam a soltá-los. Pelo estouro, apenas pelo barulho. Como sempre digo, contudo, gosto é como pescoço: cada um teu o seu.

 

Pareço um limão, eu sei. Mas é uma crítica construtiva.

 

A transição entre o ano que termina e o que começa é, sim, propícia para reflexões, análises, correções de rumo, planos e projetos. E isso o que mais gosto, como repetidas vezes tenho falado por aqui. E esse recesso que faço entre o Natal e o dois de janeiro é perfeito nesse sentido. Olhar em frente após fechar o ciclo é – para mim, para mim – uma atividade prazerosa.

 

Sem falar na questão do ‘Bilhete de Loteria de Schrödinger’, agora amplificado pelo advento dos bolões. Explico. Primeiro, com relação aos bolões da Mega Sena da Virada. Se és convidado para participar de um bolão da mega da virada, és obrigado a participar. Caso contrário, caso sejas o único a não participar, certamente ele será premiado e serás o único de fora. É lei. Não importa a chance ser uma em cinquenta milhões de possibilidades, se não entrares no bolão ele será sorteado.

 

Quanto ao ‘Bilhete de Loteria de Schrödinger’, funciona assim: ao jogares (ou entrares em um bolão), entre o momento em que o jogo foi feito e o momento em que a informação do resultado chega até ti, aquele bilhete é tanto premiado quanto não premiado, e a sensação de estar na mão com um bilhete premiado ou não premiado ou potencialmente premiado, afinal ainda não ocorreu o sorteio, é boa. Muitas vezes é o que basta para passares uns dias com essa sensação boa, essa potencial felicidade.

 

Até para poder festejar o novo ano ainda mais feliz.

 

No dia seguinte, quando ficares sabendo do resultado, tudo volta ao normal. 


Ou não.


Até. 

segunda-feira, dezembro 30, 2024

Sobre as Alegrias dos Dias

A semana passada, após o Natal, ainda foi de reuniões de trabalho, na quinta à noite e na sexta à tarde, mesmo que estivesse em declarado recesso de final de ano. Acertando projetos para 2025.

 

O recesso verdadeiro iniciou no sábado, quando saímos em comboio rumo mais ao Sul do Rio Grande do Sul, à Costa Doce, às margens da Lagoa dos Patos. Destino: Churrascolândia, que é como eu chamo São Lourenço do Sul e o encontro da família da Jacque, pais, tios, primos e afins. Esse ano, somos trinta e cinco, distribuídos em três casas mais ou menos próximas. E, como a alcunha que dei diz, churrasco é uma quase constante refeição.

 

O final de semana foi de – como já dito – fogo na churrasqueira, muita gente falando alto ao mesmo tempo, e música, afinal cantar é uma das diversões tradicionais do grupo. E foi aí que, finalmente, desliguei de 2024.

 

Dizem – com certa razão – em virtude de diversos fatos graves ocorridos ao longo do ano que está em seus estertores, as inundações, a enchente de maio, que 2024 poderia ser esquecido. Que eventos difíceis - que, sim, foram impactantes – fizeram esse ano um ano ruim.

 

Porém, é essa uma avaliação bem mais complexa, e muito individual de se fazer.  O quanto devemos valorizar o macro – a guerra na Ucrânia, os eventos climáticos, a política e os acidentes aéreos – influenciar em nossa avaliação, ao invés de olharmos para o microcosmo em que vivemos? O que é mais importante para nós?

 

Sempre penso nisso quando falam, e reclamam, do mundo atual, de política partidária, dos rumos que as coisas tomam. É a velha história daquilo que depende de mim e do que não depende. Preciso olhar para a realidade do meu dia a dia, para as pessoas com quem convivo, para tudo que depende do meu esforço, e avaliar se estou fazendo o que deveria fazer, o que me proponho fazer. Com relação ao que não depende de mim, não há o que eu possa fazer, e paciência.

 

No meio de tantos eventos, de sermos assoberbados por fatos e notícias ruins, corrupção, guerras e violência, prefiro olhar para o meu umbigo e ver as pequenas alegrias dos dias, os pequenos prazeres da vida.


Até. 

domingo, dezembro 29, 2024

A Sopa

Nós teríamos morrido.

 

Estávamos no último ano da faculdade de medicina, ainda no milênio passado, meses antes da formatura, em um tempo sem internet e de telefones celulares pesados como tijolos e que eram cobradas até as ligações recebidas, e decidimos uma última aventura antes de nos tornamos médicos efetivamente. Faríamos a travessia entre Rio Grande, no sul do estado, até Pinhal já no litoral norte do Rio Gande do Sul, onde o Luciano tinha casa e serviria de ponto de chegada.

 

De bicicleta. Pela beira da praia. No inverno.

 

Em um trajeto de cerca de trezentos quilômetros pela praia, em uma região há trinta anos ainda mais desabitada, entre o Parque Nacional da Lagoa do Peixe e o mar, com o tradicional vento nordeste soprando forte, quatro de nós pretendíamos fazer esse trajeto em alguns dias. Sem um conhecimento prévio preciso da região, em uma época em que os aparelhos com GPS eram equipamentos para profissionais, sem celulares via satélite em locais que até hoje não tem um bom sinal de celular, tínhamos a ambição de fazer essa jornada. Por diversão, porque seria uma aventura memorável.

 

Não tínhamos uma noção do tipo de solo que encontraríamos, se areia fofa ou um terreno mais denso, se teríamos que pedalar mais próximos ao mar ou não, e nem qual o tipo de pneu que deveríamos ter em nossas bicicletas. Apenas tínhamos a vontade juvenil de ir.

 

Não éramos campistas, alpinistas, ou mesmo atletas de qualquer esporte. Eu, vejam só, estava treinando com uma bicicleta emprestada! Os outros eu não sei como estavam se preparando, mas faríamos a travessia, era o nosso plano.

 

Seríamos – nós e as bicicletas – levados até a cidade de Rio Grande, de onde faríamos de balsa o trajeto até São José do Norte, de onde partiríamos pedalando em direção ao litoral norte do Rio Grande do Sul.  Se decidíssemos fazer o trajeto pela Rodovia do Inferno, a BR101 nesse trecho, seria menos complicado que o nosso plano inicial, de seguir pela beira da praia, pela areia, contra a vento provavelmente. Mas mantivemos o plano original. Éramos decididos.

 

naives, ingênuos. Inconsequentes.  

 

O curioso é que ninguém dizia nada em contrário, ninguém tentava nos dissuadir dos nossos planos. Menos a mãe do Luciano, que não deixou ele ir. Mas iríamos, ainda assim, até o fim. Quem nos levaria até Rio Grande seria o pai do Petterson. 

 

Acontece que tínhamos uma janela de oportunidade pequena, em nossas férias da faculdade, para a aventura. Contávamos com a sorte de ter tempo bom para isso, do contrário seria bem desagradável. Tínhamos cálculo de comida para levar, assim como água, eu até tomei uma Benzetacil preventiva (não pergunte) para caso de algum problema.

 

Tudo certo.

 

Mas, por uma circunstância alheia à nossa vontade, não pudemos ir. 

 

O avô do Petterson ficou doente e o pai dele não poderia nos levar. Perdemos a oportunidade. Depois, a correria e as atribuições da vida adulta, como médicos e depois pais de família, não permitiu que fizéssemos. Esses dias, no nosso encontro de 30 anos de formados, conversando sobre isso, relembrando, e levando em conta que o Petterson esteve na região visitando (de carro) e verificou in loco o terreno, chegamos à conclusão de que era uma insensatez o que queríamos fazer sem o preparo e estrutura adequados. 

 

Certamente teríamos morrido, ou passado pelo vexame de ter que ser resgatados pela marinha ou outra instituição. Nos vimos voltando, derrotados, com frio, fome e sono, e seríamos notícias nos jornais, afinal na época não existiam redes sociais...

 

Melhor seria morrer mesmo...

 

Até. 

sábado, dezembro 28, 2024

sexta-feira, dezembro 27, 2024

Ouvir, Escutar

Lembro de quando estava morando em Toronto, há 20 anos, e escrevia sobre o que vivia, o que sentia à época. Casado já há alguns anos, estávamos, a Jacque e eu, vivendo naquele momento em lados opostos da linha do Equador, ela no Sul e eu no Norte. Havia a saudade, estar longe das minhas referências, país, estado, cidade, família e amigos. Morar sozinho, o “começar do zero” a vida em outro país sem conhecer virtualmente ninguém. Tudo isso servia de motivo para eu falar de minha(s) experiência(s) única(s).

 

Que não eram, evidentemente, únicas, apesar de únicas.

 

Muitos haviam passado por situações parecidas, e muitos ainda passariam depois. Nada mais óbvio que isso. Racionalmente, sempre soube que nossas experiências, boas ou ruins, não são inéditas, afinal alguém em algum momento já passou por algo igual ou muito parecido antes. Ainda assim, essas experiências são únicas para nós. Proporcionam, então, essa noção de que outros já passaram, de uma forma ou de outra, pelo que estamos passando, um senso de humildade, de pertencimento, ainda que ninguém possa saber, de verdade, o que estamos sentindo.

 

Nos reconhecemos a partir de vivências semelhantes, mas únicas para cada um nós, e nosso entendimento do outro aumenta a partir daí, o que nos aproxima como pessoas. Empatia. Para isso, precisamos estar dispostos a escutar, no sentido de compreender o que é ouvido, muito mais que apenas ouvir, sentido de audição, o que as pessoas nos têm a dizer, com atenção e sem julgamentos. 

 

Um desafio.

 

Falar menos, ouvir/escutar mais.  


Até. 

quinta-feira, dezembro 26, 2024

Dois Mil e Vinte e Quatro

Retrospectiva.

 

Percebi que estava meio reticente com relação a fazer uma retrospectiva, digamos, formal, do ano que ora termina, e não sabia a razão. Ainda não sei, confesso.

 

Foi um ano intenso.

 

Como todos são, sou obrigado a dizer.

 

Claro que ocorreram fatos que jamais imaginaríamos que iriam acontecer conosco, que direta ou indiretamente afetaram a todos nós no Rio Grande do Sul. Ninguém passou ileso, de uma forma ou de outra, e tenho certeza de que todos ajudaram da forma que puderam. Todos temos histórias de maior ou menor protagonismo durante a enchente de 2024. O evento determinou, em grande parte, os desfechos e as impressões, e sensações do ano. Não vou, sob nenhuma hipótese, até por não ser possível, diminuir em nada, ou sequer comparar sentimentos meus, ou de quem que que seja, porque cada um tem sua história, e cada um sabe o quanto foi atingido, qual foi a repercussão em sua vida. Eu tive sorte de materialmente ter sido pouco afetado, assim como familiares próximos. Ajudei como pude no momento.

 

Penso aqui, então, ao fazer uma reflexão íntima com relação ao ano que passou, que abstraindo esses eventos externos graves que afetaram o mundo próximo, e – sim – é possível e necessário abstrair, porque mesmo em meio a calamidades podemos ter momentos leves e felizes, penso que foi um ano bom. E lembro da pandemia do COVID, quando ficamos isolados em casa (aqueles que podiam, eu não), mesmo nesse período ruim e complicado, mesmo naqueles dias, houve momentos bons.

 

Assim foi 2024.

 

Mesmo um ano em que fomos atingidos por uma catástrofe climática, cujos efeitos sociais e econômicos ainda nos afetam, mesmo assim, com tudo isso, foi um ano em que as coisas foram bem. O balanço entre positivo e negativo foi, em se falando especificamente de mim, positivo.

 

Essa uma das razões de um certo constrangimento em começar a escrever essa retrospectiva. Pode ter sido bom um ano em que tanto aconteceu com nosso estado? Olhando para o macro, talvez não. Mas olhando para o espelho, olhando para dentro, refletindo como eu passei pelo ano, o que fiz, como reagi, como ajudei quem precisou, quem fui e com quem andei, aí a avalição pode – sim – ser positiva.

 

É positiva.

 

Continua.


Até 

terça-feira, dezembro 24, 2024

Arqueologia Sentimental

Aproveitando o primeiro dia “útil” do recesso de final de ano, ontem, utilizei o tempo em casa para mergulhar fundo em um armário há muito esquecido, que guardava memórias de tempos já há muito passados. Podemos considerar como parte do ritual de final de ano, do qual venho falando (vivendo) nos últimos dias. E existem mais armários a serem 'desbravados'.

 

Não tinha a menor ideia (não lembrava) o que estava guardado naquele armário, que certamente abrigava objetos há mais de dez anos sem serem mexidos, como - por exemplo – um time de futebol de botão dos meus tempos de guri, e que – não sei por que – não me desfiz quando saí de casa. Encontrei discos de vinil (que eram da Jacque) em perfeito estado de conservação, e que tornaram mais real o plano de voltar a ter em casa um toca-discos para rodá-los, ainda mais depois que adquiri o vinil ‘Ramilonga’, do Vitor Ramil, e o ‘Coisa de Louco II’, da Graforreia (comprado do Alemão, que com ele é mais caro, certo?), mesmo sem ter um...

 

Encontrei exames de imagem meus, ressonâncias de coluna cervical muito tempo antes de ter feito hérnia de disco, e, também, de joelho, da época em que operei os meniscos. Alguns exames muito antigos de pacientes, dos quais devo me desfazer. A cópia do meu prontuário médico de 1990, quando internei por trauma de crânio por um acidente de trânsito e passei trezes dias em coma em uma UTI. Um troféu de um campeonato de vôlei misto de 1988, e uma medalha de campeão de futebol de 1992. Algumas declarações de imposto de renda de mais de vinte anos. Uma série de papeis com músicas cifradas para violão.

 

Como parte desse inventário sentimental, a partir de guardados, revi pastas em que estavam armazenadas memórias de viagens, como recibos, mapas de cidades, folhetos de lugares, restaurantes e hotéis, tickets aéreos do tempo em que ainda vinham dessa forma, como se fossem um carnê. Com calma refiz sentimentalmente essas viagens.

 

Encontrei inclusive, uma ata que fizemos como preparação para a primeira viagem dos Perdidos na Espace, assim como planos de roteiro em uma época em que virtualmente não se utilizava a internet, no máximo enviávamos e-mails. Contatos com hotéis eram feitos por fax! Não resisti. Fotografei a ata e os roteiros e enviei para os integrantes do grupo, mesmo que já não sejamos um grupo, e mesmo que não seja mais possível a reunião de todos, porque a vida seguiu e rumos diferentes foram tomados, e está tudo bem.

 

Como já disse, tenho profundo respeito pela minha memória, pelo que vivi e pelas pessoas que fizeram parte dela, assim como valorizo ainda mais os que ficaram e os que estão por perto, sempre presentes, mesmo que não tenhamos a convivência diária.

 

Eles sabem quem são.

 

Bom Natal a todos nós.

Até.

segunda-feira, dezembro 23, 2024

Histórias de Consultório (4)

Sobre o direito de morrer. 

Estava atendendo uma paciente esses dias, já nesse período em que o Natal se aproxima sinalizando que o ano também está em seus últimos momentos, quando estamos mais emotivos e querendo ser leves, quando ela – com uma doença pulmonar de estágio avançado – próximo ao final da consulta, me perguntou sobre o seu prognóstico. Quanto tempo de vida eu tenho?

 

Respondi a ela que, honestamente, não tinha como eu dar a ela uma estimativa de tempo, um prazo de validade. Que existiam muitas variáveis envolvidas nesse tipo de previsão, e quase qualquer coisa que eu dissesse a ela seria, de certa forma, imprudente. Sabíamos que, pela sua função pulmonar acentuadamente reduzida, e mesmo sem sermos capazes de estimar objetivamente o seu tempo de vida restante, que esse tempo não deve ser muito longo.

 

Disse a ela que minha função era tentar evitar, ou pelo menos reduzir, o sofrimento que sua condição física lhe causava ou causaria em um futuro nada distante. Pareceu resignada, que entendia, e me disse que esse não era um assunto que poderia ou conseguia falar com a sua família, e que eu era a pessoa com quem poderia falar. 

 

Falou então, sobre eutanásia, consciente que no Brasil é crime.

 

Concordamos que o Estado, assim, com letras maiúsculas, e ainda mais um estado laico como é, ou deveria ser na prática, o nosso, não deveria se envolver com a vida privada das pessoas. E que essa era a mesma questão do aborto. Nem a religião e nem o Estado devem ter alguma palavra sobre o direito da mulher de decidir sobre a questão do aborto. Eu, pessoalmente, caso estivesse envolvido em uma situação dessas, seria em princípio, contra o aborto, mas como opinião, sabendo que a decisão final sempre deve ser da mulher e que deve ser respeitada. Não é uma discussão simples, longe disso.

 

Tenho por princípio que cada um tem o direito de viver da forma que quiser, ser o que quiser ser, e ninguém tem nada a ver com isso. O direito individual deve ser respeitado, e respeito é uma via de duas mãos. Se queres ser respeitado, deves respeitar. Simples, simples. O teu direito termina onde começa o meu, e vice e versa. Não é difícil a vida em sociedade quando todos são respeitados e quando todos (grupos, pessoas) se respeitam.

 

Tergiverso, contudo.

 

Conversávamos em uma consulta médica, a paciente e eu, e falávamos sobre terminalidade, um assunto não muito leve para um dezembro antes das festas de final de ano. Dizia eu que não era possível afirmar quanto tempo de vida ela ainda tinha, e ela falava sobre lugares em que a eutanásia assistida é permitida, como a Suiça e a Colômbia, mas que não sabia se nessa última era permitida para estrangeiros. Reafirmei que a entendia e respeitava seu sentimento, mas não poderia eu ajudá-la com relação a isso, a encontrar um lugar para a eutanásia assistida, mas que – sim – eu tinha como garantir uma coisa a ela, sem sombra de dúvidas.

 

Diminuir seu sofrimento com os tratamentos disponíveis e, mais importante, proporcionar conforto e empatia.

 

Saiu mais tranquila.

 

Até.

domingo, dezembro 22, 2024

A Sopa

O Velho Marcelo.

 

Ainda de certa forma impactado pela passagem dos trinta anos de formado, que se será seguida por marcas significativas em minha vida, como os trinta anos que conheço a Jacque e, mais um pouco, que estamos juntos, tenho olhado para trás como forma de lembrar quem eu era e o quê eu esperava da vida. A coincidência do final do ano, e agora de recesso do trabalho, intensificou isso.

 

Tenho procurado e relido escritos meus de mais de trinta anos, ainda em cadernos que eu usava para registrar pensamentos, ansiedades e angústias sobre o futuro, sobre como seria tudo, quem me tornaria e, principalmente, com quem eu faria essa caminhada. São textos sem nenhum valor literário, alguns constrangedores para mim, ao ler depois de mais de trinta e cinco anos, que é de quando são os primeiros.

 

Servem, contudo, aqueles em que falo do que espero do futuro como ponto inicial, para lembrar onde eu estava, de como eu imaginava que seria minha vida e, tendo percorrido já uma boa parte dela, comparar com o que foi e tem sido. Quase como se quisesse saber se o ‘Marcelo daquela época’ se orgulharia do ‘Marcelo de agora’. 

 

O problema é que o ‘Marcelo daquela época’ era um chato...

 

Para começar, ele escrevia mal.

 

Era um adolescente tímido e muito dramático, cheio de teorias sobre o mundo e de nenhuma prática. Zero confiança e autoestima, como a maioria dos adolescentes na época. Quase dá para dizer que era um espírito velho em um corpo adolescente...

 

Estou exagerando, claro, mas não muito. 

 

É bom lembrar porque, mesmo assim, as coisas saíram bem.

 

Posso dizer ao ‘Marcelo daquela época’ que estamos bem, que ele fique tranquilo. O caminho a ser percorrido será muitas vezes tortuoso, encontraremos pedras no meio da estrada, que algumas vezes vai parecer que não estamos avançando, mas que – no fim – tudo dará certo.

 

E vamos ter uma família linda.


Até. 

sábado, dezembro 21, 2024

Sábado (e mais um para nossa memória)

 

(Juntos em mais um show)

           

Araújo Vianna, 19/12/2024.
Porto Alegre/RS.

Reencontro, reunião do T.N.T.

Criando histórias, fazendo memórias.

Bom sábado a todos.

Até. 

sexta-feira, dezembro 20, 2024

Uma Resolução e um Convite

Mea culpa.

 

Esse é também um mea culpa, um pedido de desculpas meu, um ato de contrição, antes que me acusem de “pregar moral de cuecas” (pensando bem, acho que seria pior pregar moral sem cuecas, mas isso não é o foco do que quero dizer). Falo, alguns podem imaginar, do uso do celular em situações sociais.

 

Ouvi ou li por aí, e tenho lido e ouvido muito por esses dias, que uma demonstração básica, e fundamental, de amor, é dedicares a atenção plena ao outro, a quem está contigo. Essa afirmação foi certeira, porque me senti culpado pelas vezes em que eu – sim – dividi a atenção do momento em que vivia e da pessoa, ou pessoas, com que interagia, por consultas aleatórias ao celular. E que é algo que tenho tentado mudar, tanto como respeito aos outros quanto como respeito a mim, e aí entraria em como o tempo é desperdiçado nisso.

 

E entendi, finalmente, o mal-estar que eu sentia – e que em algum momento desisti de lutar contra – das pessoas estarem, enquanto conversamos, estamos juntos, em uma refeição, por exemplo, e ficam em frente de todos, olhando o celular. Como se o conteúdo em sua mão fosse mais importante, ou mais interessante, que as pessoas que estão a sua volta. Parece uma forma de desprezar a companhia das pessoas.

 

E aí a brincadeira que faço, baseado em um meme que recebi há um bom tempo, é perguntar ‘Quando vamos marcar de sair para ficar olhando o celular juntos novamente?’. Brincadeira, mas – pensando bem – com um certo tom amargo. E não estou demonizando o celular e nem as redes sociais, permaneço usuário e “fã” delas, mas externando um desconforto que sei que não é só meu.

 

Como eu disse, não sou inocente pois já fiz isso muitas vezes.

 

Admitir o erro é o primeiro passo para se corrigir, para tentar melhorar. 

 

Comecei a tentar melhorar no ano que está por terminar, e pretendo intensificar isso no próximo. Quero dedicar atenção plena a quem é importante, usar menos o celular em frente a elas é uma das formas de fazer isso.

 

Vamos junto?

 

Até. 

quinta-feira, dezembro 19, 2024

Gente Humilde

Senso de comunidade.

 

Lembro de passar por locais de menor poder aquisitivo, vamos dizer, da cidade, e me admirar com as pessoas sentadas em cadeiras em frente de casa, na calçada, conversando talvez com os vizinhos, ou olhando o movimento da cidade, por vezes um tonel e um churrasco acontecendo, quase como se fosse uma cidade do interior, e sentir saudades de um tempo em que não vivi.

 

Essa expressão, ‘saudades de um tempo que não vivi’, surgiu – para mim – a partir de uma música do Chico Buarque, ‘A Noite dos Mascarados’, que remonta a carnavais de um tempo anterior ao meu, dos bailes de salão, mesmo que eu tenha ainda ido a alguns desses, mas não como a música descreve e que despertou essa nostalgia por tempos não vividos. Tenho outras, também.

 

Falava, então, de pessoas e suas casas simples com cadeiras nas calçadas, e na fachada escrito em cima que é um lar... Pela varanda, flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar. E aí me dá uma tristeza no meu peito feito um despeito de eu não ter como lutar, e eu que não creio. Peço a Deus por minha gente, é gente humilde, que vontade de chorar... Não tem como não lembrar dessa outra música, ‘Gente Humilde’, também do Chico Buarque, claro.

 

Perdemos, ao longo do tempo, esse senso de comunidade, de proximidade entre as pessoas. Li ou ouvi isso, que – à medida que as pessoas melhoram de vida economicamente – vão se isolando, levantando muros, a ponto de não conhecer seus vizinhos. Claro que a violência urbana tem um papel nisso, mas como é bom quando podemos sair e caminhar nas ruas, olhar a paisagem, a cidade, e passar pelas pessoas e dizer ‘Olá, como vai?’ ou simplesmente ‘Bom dia”.

 

Eu procuro fazer isso em todos os ambientes por onde circulo.


Até. 

quarta-feira, dezembro 18, 2024

Sobre as Fotos de Viagem

Isso não é sobre a minha vida, definitivamente.

 

Ao chamar uma paciente no consultório esses dias, ela levantou e seu marido, também meu paciente e que seria atendido logo após ela, permaneceu sentado, sem fazer menção de levantar-se. A Bete, minha secretária, perguntou se ele não queria estar junto na consulta, mas ele disse que não havia necessidade.

 

Fiz o atendimento e, na transição entre ela e o marido, perguntei se não queria acompanhar a consulta, e ela também disse que não. Enquanto ela saía, e ele entrava, não resisti e perguntei, talvez imprudentemente:

 

- Vocês não estão brigados, certo?

 

Não estavam, para minha sorte, pois poderia ter criado um momento constrangedor. Ele entrou na sala de atendimento dizendo que ‘depois de trinta e cinco anos juntos, não vale à pena brigar’. Concordei com ele, que acrescentou, é muita incomodação. É mesmo, concordei mais uma vez. E seguimos a consulta, mas depois fiquei pensando, pois essa é uma teoria antiga minha. 

 

Reforço aqui, é uma teoria, mas penso que a relação tem que estar MUITO ruim para que as pessoas terminem uma para começar outra. Para que passem por tudo de novo, que saiam por aí, na noite, por exemplo, em busca de novos relacionamentos, conhecer novas pessoas que vão ter um passado e suas próprias idiossincrasias, assim como todos têm (temos). Após o início que é sempre bom, novo, a tendência é as pessoas caírem nas mesmas situações da relação prévia, que abandonaram, até porque ainda são as mesmas, e voltarem ao antigo padrão.

 

Não estou dizendo que o certo é permanecer em uma relação que não deu certo, que é ruim. Claro que não. Mas há de se ter paciência e flexibilidade na vida, principalmente quando se fala em relacionamentos. Os momentos que não são tão bons sempre deverão ser superados em frequência e intensidade pelos bons momentos. Essa é a matemática da coisa. Sem falar das fotos.

 

A probabilidade de um casal se separar é inversamente proporcional ao número de fotos que eles têm juntos, principalmente fotos de viagem. Ou deveria ser. Imagina o problema que é, depois de ter se separado, não poder mais rever fotos de viagem antigas, porque nelas estará o passado que queres esquecer.

 

Fica a dica.


Até.   

terça-feira, dezembro 17, 2024

Trinta Anos

Eu nunca imaginei ser médico.

 

Não era um sonho de infância, daqueles que são motivo de redação na escola com título ‘O Vou Ser Quando Crescer’. Não, nada disso, ou pelo contrário. Queria ser jornalista. Desde que caiu em minhas mãos o ‘Manual do Peninha’, da Editora Abril, que contava a história do jornalismo, os primeiros repórteres, os paparazzi, as técnicas de reportagem, grandes jornalistas e outros, a partir dessa leitura, e junto com minha paixão pela leitura e pela escrita, era isso que eu queria fazer.

 

Jornalismo. E escrever.

 

Não tinha referências médicas no dia a dia da família. Meu avô materno, Gustavo, havia sido médico, mas morrera quando eu tinha sete anos. Lembro de seu escritório na casa de meus avós em Montenegro/RS, e o fascínio pela sua biblioteca, que eu considerava um tesouro a ser desvendado. 

 

Anos após sua morte, houve uma homenagem a ele no Hospital Montenegro, com sua foto incluída numa galeria de médicos ilustres do hospital, e estivemos lá. Chamou minha atenção, mas só. Até que fui me inscrever no curso pré-vestibular, ainda no final do segundo ano do que hoje se chama Ensino Médio e, na hora me marcar opção de curso, marquei medicina, assim, meio que do nada. 

 

Virei alguém que seria médico.

 

Ou não.

 

Pois passei todo o ano preparatório para o vestibular na dúvida entre jornalismo e medicina. Acabei “resolvendo” a questão afirmando para mim mesmo que não precisava ser jornalista para ser escritor, e fui fazer prova para medicina. Passei no primeiro vestibular, e entrei na Medicina da PUCRS. Com dezesseis anos, que completaria já cursando.

 

O “conflito” não acabou aí, claro.

 

Passei boa parte do curso com a ideia de que eu era um estranho, “um cara de humanas na medicina”, o que – olhando para trás – não é nada estranho, pois a medicina requer muito de humanidade e humanidades, então estava em casa, apesar de ter levado um bom tempo para entender completamente isso. Assim como levei um bom tempo para me entender completamente em termos profissionais, porque sempre parecia que precisava ter um plano B, ou rota de fuga, caso descobrisse tardiamente que havia feito alguma escolha errada. 

 

Vai que eu quisesse fazer cinema?

 

Até que percebi que as coisas são mais simples do que eu fazia parecer para mim. E que sou cem por cento médico, mesmo que faça outras coisas, e agora realmente faço, nada diminui minha dedicação à minha profissão, que é parte de quem sou.

 

Tudo isso para lembrar que hoje, 17 dezembro, completo 30 anos de formatura. Parabéns para mim e para os colegas e amigos da ATM94 da PUCRS.


Até. 

segunda-feira, dezembro 16, 2024

Insônia

Tive insônia essa noite.

 

Não é comum isso comigo, dificuldade para dormir. Sou conhecido, melhor, sempre me vi e me considero alguém que dorme bem, independente do que está acontecendo comigo ou com o mundo. Se estou ansioso, posso levar mais tempo que o habitual para pegar no sono, mas só. Perder o sono, nem pensar.

 

Com os anos, é claro que o padrão do sono mudou, assim como com as atividades da vida, que também interferem. Até março desse ano, conseguia acordar cedo a ponto de ir para a academia ainda antes de trabalhar, mas depois não consegui mais, tanto é que fui obrigado a rearranjar minha agenda para manter a atividade física regular. Aliás, atividade física que é um dos principais determinantes para uma vida boa, assim como um senso de comunidade, de pertencimento.

 

Esse é um dado científico, a partir do mais longo estudo de coorte já feito, que iniciou nos anos trinta do século passado e procurou determinar justamente isso, os determinantes para uma boa vida. Acompanharam mais de setecentos indivíduos por toda sua vida (restam poucos vivos dos originais, já na casa dos cem anos) e viram que – assim como a atividade física – as boas relações, o senso de pertencimento a algo maior que nossas vidas individuais, o senso de vida em comunidade, esses eram fatores importantes na longevidade e na qualidade de vida das pessoas, independente de classe social e condições econômicas.

 

Eu sempre soube isso, instintivamente.

 

O que explica minha eterna necessidade de fazer parte, de me sentir parte, da vida em grupo, da vida em comunidade. Dos projetos em grupo e outros. Ser um ser social, enfim, mesmo que às vezes eu precise (todos precisamos) ser ilhas, estar isolados e em silêncio.

 

Mas falava que tive insônia essa noite.

 

Demorei a dormir, envolto em pensamentos aleatórios e sobre planos e projetos para o ano que está ali, logo depois do recesso que se inicia na próxima sexta-feira no final do dia. Depois, por volta das duas e meia, conforme combinado, tocou o telefone e sai para buscar a Marina em uma festa. Na volta, novamente dificuldade em dormir.

 

Quando tocou o despertador antes das sete, respirei fundo e me levantei. A semana ainda será corrida, mas é a última de trabalho em 2024.

 

Até.

domingo, dezembro 15, 2024

A Sopa

Estávamos nós, os três amigos, reunidos depois de quase um ano em que não havíamos conseguido nos encontrar, comendo um xis em uma noite clara de final de primavera com temperatura agradável. Um ritual, esse de nos reunirmos em volta de uma mesa e falarmos da vida, que repetimos com maior ou menor frequência há quase quarenta anos, que é o tempo que nos conhecemos e acompanhamos as vidas uns dos outros.

 

Lembro, e continuo falando da passagem do tempo, esse assunto recorrente em minhas reflexões, das nossas conversas daquele tempo, do final da adolescência, das expectativas com relação ao que viria e de como tudo se resolveria, sobre os caminhos que percorreríamos a partir de decisões que estávamos começando a ter de tomar e que – pensávamos – seriam definitivas. Ainda não tínhamos a noção clara de que nenhuma decisão tomada aos dezesseis ou dezoito anos, ou mesmo mais tarde é, de verdade, definitiva.

 

Sempre há a possibilidade de mudar de ideia, de repensar, de refazer caminhos, de corrigir o rumo das coisas. Por isso, devemos aprender cedo, não é prudente queimar pontes ou fechar portas, porque o mundo é – clichê, eu sei – dinâmico. Tudo muda o tempo todo, no mundo, já cantou Lulu Santos.

 

Pois conversávamos nós, os três amigos, sobre o presente, nos atualizando nas vidas uns dos outros. E a idade em comum traz desafios parecidos que são vividos por todos em algum momento, doença, atenção e cuidado que nos foram dispensados e agora dispensamos para os que nos são queridos. Os filhos que crescem e tem seus desafios próprios e que só podemos ser portos seguros para eles. Houve um momento que se falou de aposentadoria e o que fazer depois, e a lembrança de que não se pode esperar para viver. 

 

Não falei no momento, mas senti o enorme peso do tempo sobre nós, e lembrei de quando conversávamos sobre a menina certa que um dia iria conhecer e, que – agora – quase quarenta anos depois, começamos a falar sobre o fim, sobre o encerramento de fases, e sobre a finitude da vida, mesmo que não tenhamos nos dado conta na hora.

 

É preciso saber viver.

Até. 

sábado, dezembro 14, 2024

Sábado (e a noite)

Do alto do Espaço Força e Luz


Noite dos Museus, Porto Alegre/2024.

Bom sábado a todos.

Até.

sexta-feira, dezembro 13, 2024

Em Frente ao Espelho é Sexta-feira

Digo que não sou melhor do que ninguém, mas é mentira.

 

Sou, sim, melhor que muita gente em algumas coisas, assim como sou MUITO pior que muitos em outras. Todos somos assim, temos nossas características próprias, qualidades de que nos orgulhamos e fraquezas que nos envergonham. É da vida.

 

Aliás, à medida que o tempo passa, tenho menos vergonha das minhas fraquezas, fico menos incomodado com aquilo que não sei ou não consigo. São parte do que eu sou, e abraçar minhas limitações é parte do autoconhecimento. Não que eu me orgulhe delas, mas são o ponto de partida para eu melhorar. Ou não.

 

Existem, sim, atividades, tarefas, para as quais, por mais que eu queria dominar, nunca vou conseguir, por mais que eu tente. E está tudo certo. Reconhecer que vou fracassar miseravelmente em algumas tentativas é ter a tranquilidade de aceitar as coisas como elas são. Ficar em paz com isso é importante.

 

Tem, contudo, uma característica que considero possuir e espero que as pessoas sintam o mesmo com relação a mim, porque – sim – acho que me definem.

 

Sou alguém de confiança.

 

Procuro ser, na verdade. Alguém que os amigos saibam que podem contar com se precisarem, que estará junto na boa e na ruim, para o que der e vier. Nos churrascos e em meio à tempestade. Tenho alguns amigos que são assim, e sabem que estou aqui, sempre.

 

Sextou.


Até. 

quinta-feira, dezembro 12, 2024

Pertencer e a Ilha

Como parte da montanha-russa de sentimentos que caracterizam cada final de ano, junto com a sempre necessária retrospectiva pessoal que devemos fazer ou, melhor, é saudável que façamos, cada um sabe de si, circulamos entre as celebrações, as saudades, a sensação do dever cumprido, e possíveis frustrações pelo não alcançado e por quem perdemos pelo caminho, literal ou figuradamente. Também os reencontros.

 

Reforço aqui a importância – para mim, para mim – do sentimento de pertencimento, talvez um dos mais significativos. Saber, sentir-se parte de algo maior que nossa existência individual, de uma equipe, grupo, família, ou comunidade é parte do que faz nossa existência ter sentido. 

 

E é uma das principais lutas minhas internas, aquela entre o ser parte de algo, pertencer, o que é diferente de me encaixar, e o ser uma ilha, um ser isolado no meio de pessoas. Demorei muito a perceber que, apesar de eu ser uma pessoa que precisa fazer parte, de me sentir parte, também preciso ser uma ilha em outros momentos. É o balanço entre os dois momentos que necessita ser ajustado.

 

Mas falava do sentimento de pertencimento.

 

É bom e importante cultivar as relações que nos proporcionam essa sensação, que tranquiliza e conforta. Os encontros e churrascos e fotos em elevadores e confrarias e planos reforçam, reafirmam isso, que estamos fazendo as coisas certas, que contamos com os amigos certos.


Até. 

quarta-feira, dezembro 11, 2024

O Suficiente

Uma piada interna, e antiga.

 

Há muitos anos amigos, quase quarenta, temos, o Márcio, o Radica e eu, um dialeto próprio de piadas internas, expressões e comentários que usamos em nossa comunicação. Entre elas, uma expressão comum é a “não sou amigo o suficiente”, usada em variados contextos, como piada, claro. Estava pensando nessa expressão esses dias, quando ouvi (ou li) sobre o conceito dos amigos de oito minutos.

 

Esse tempo, oito minutos, seria o tempo necessário que alguém com algum problema, alguma inquietação ou ansiedade, precisaria da atenção, do ouvir atento e empático de um amigo, de alguém de confiança, para que se sentisse melhor, mais calmo. Seria o tempo de conversar. E da importância de se ser alguém assim. Pois é, sempre soube que eu queria ser alguém assim. Para ser sincero, eu espero que os meus amigos saibam que eu sou esse amigo para eles.

 

Isso me fez pensar em como tenho “cuidado” dos meus amigos.

 

Se tenho estado disponível, se sabem que estou aí para caso precisem de mim. Tenho ligado, feito contato com eles tanto quanto deveria ou, melhor, gostaria? Surgiram novos nos últimos tempos, certamente, mas realmente estou demonstrando o quanto são importantes os amigos de sempre, de uma vida?

 

Sei que sabem que estou aqui para o que der e vier, assim como sei que eles também estão, como sempre estiveram, como sempre estivemos. Mas será que nós não deveríamos estar mais presentes uns nas vidas dos outros?

 

Se existia alguma dúvida, que saibam.

 

Estou aí para o que der e vier.

 

É só ligar.


Até. 

terça-feira, dezembro 10, 2024

Viagem no Tempo

Eu visito estrelas, lendas, profecias...

 

Assim como acontece com algumas músicas, que nos fazem voltar no tempo, voltar a momentos ou épocas específicas do passado, e sentimos exatamente como estivéssemos ainda lá, também alguns reencontros nos fazem sentir como se o tempo não tivesse passado. Comigo, esse tipo de sensação é bem frequente.

 

Como quando eu ouço o disco ‘Ideologia’ do Cazuza, e a música ‘Faz Parte do Meu Show’ em especial, que me transporta para julho de 1988, quando teve seu clipe exibido na televisão e estávamos nós, o pessoal do Fundinho, nossa turma do segundo grau da Escola Técnica do Comércio, curso de Operador de Computador, na praia, Tramandaí, em férias de inverno, na Colônia de Férias da UFRGS. Ainda tenho claro em minha memória aqueles dias, e me sinto lá quando ouço a música. Existem outras que remetem ao passado, claro, contam a história da minha vida, e dão conforto. 

 

Assim como rever pessoas com quem convivemos no passado, e que com quem, por circunstâncias da vida, perdemos o contato, perdemos a convivência. É a confirmação do que vivemos, de quem somos, mesmo que exista a noção de que o passado vai mudando conforme nossa memória e conforme a narrativa que vamos criando para nós mesmos.

 

O encontro com os colegas de faculdade para celebrar a passagem de trinta anos de formatura teve esse ponto, o de recontar, repensar, reviver certas histórias, algumas que nem lembrávamos, e para reafirmar (para mim, para mim) que quero e, na verdade, realmente preciso manter mais próximos alguns amigos que são, sim, fundamentais.

 

E eles sabem quem são.

 

Até.

segunda-feira, dezembro 09, 2024

Mais Sobre o Tempo

O tempo, de novo.

 

Serei virtualmente monotemático nas próximas semanas, alerto a você prezado leitor, mas não me desculpo por esse fato. Peço paciência, afinal de contas ando tão à flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar. 

 

Não é verdade. Não vejo novelas...

 

Dizia que minha (quase) fixação pelo tema ‘passagem do tempo’ está exacerbada nas últimas semanas devido aos diversos marcos temporais desses últimos tempos, os números ‘redondos’ (vinte, trinta anos) de alguns eventos seminais em minha vida. Já falei deles, desde os vinte anos que marcam minha ida para o Canadá e o doutoramento em medicina, os trinta anos de formatura em medicina, e, a partir de janeiro, os marcos de trinta anos de minha relação com a Jacque (nos conhecemos em um dois de janeiro de 1995, e estamos juntos desde oito de março desse mesmo ano).

 

Na última sexta-feira, foi o encontro dos formandos de medicina da PUCRS de 1994, em um churrasco repleto de histórias e lembranças. Alguns colegas eu não encontrava desde aquele 17 de dezembro de 1994, outros vejo com frequência. Foi muito bom e emotivo. Qualquer incompatibilidade daquela época ficou muito no passado, e os bons momentos passados são o que valem ser lembrados.

 

Alguns encontros foram especiais, pois comprovaram a ausência de hiatos na amizade, mesmo que não tenha havido a frequência na convivência que seria normalmente desejada e que a rotina dos dias não permite. Os laços e o afeto mútuo se mantêm, a dinâmica é a mesma. Até planos surgem. 

 

É como andar de bicicleta, mas sem o risco de quedas...


Até. 

domingo, dezembro 08, 2024

A Sopa

Sou médico há 30 anos.

 

Existe um peso embutido nessa afirmação, que dá um certo tipo de credibilidade, do tipo ‘respeite meus cabelos brancos’, no sentido de possuir experiência, de ter vivido muito. Como se fosse uma promoção por tempo de serviço, o que – de certa forma – realmente é. Mais que tudo, são muitas histórias vividas.

 

Essa marca, trinta anos desde que nos formamos, os colegas da Associação da Turma Médica de 1994 da Faculdade (hoje Escola) de Medicina da PUCRS, além da comemoração entre nós, os formandos daquele ano, me faz também olhar para trás e refletir sobre a passagem do tempo. De onde viemos e quem éramos para onde estamos e quem somos.

 

Trinta anos é uma vida inteira, mas parece – olhando retrospectivamente – que passou muito rápido. 

 

O quanto o mundo, e a vida em especial, mudou desde aquele 17 de dezembro de 1994, de calor intenso, cerimônia de mais de três horas em que meu pai me entregou o meu diploma, e ele suava de calor, e o pai de uma colega que era irmã de uma ex-namorada minha me abraçou no palco quando passou por mim e a minha namorada à época que estava na plateia não entendeu, e depois teve a festa lá em casa e depois o baile e o café da manhã em um hotel, e antes de dormir, exausto, ainda discuti com a namorada não lembro por que razão, mas passamos a virada do ano juntos, na praia, e deixei ela em casa no dia primeiro de janeiro já como ex-namorados, e ainda faríamos uma tentativa de volta justamente no carnaval, e na primeira noite sonhei com a Jacque, que era colega de hospital, e pensei que nunca teria chance com ela, mas a tentativa de retorno não deu certo, e no dia seguinte à conversa definitiva em que ela disse que não queria mais tentar eu fiz plantão em uma UTI e, ao sair do plantão, fomos todos, residentes de clínica do Hospital da PUCRS jantar na casa de um dos colegas e lá, sentado ao lado da Jacque, perguntei porque brincava comigo dizendo, quando o meu pai ligava para hospital para falar comigo e ela atendia, que o ‘sogrão’ estava ligando, e ela disse que não era brincadeira, e saímos e ficamos juntos e namoramos por um mês em segredo até revelarmos a todos, e um ano e meio depois casamos, a Marina nasceu depois de doze anos, e estamos juntos, felizes, até hoje. 

 

Como em um piscar de olhos, boa parte da vida passou.

 

Mudei, mudamos.

 

Ainda há muito o que fazer e percorrer. 

 

Desejos e planos, secretos ou não.

 

Seguimos, altivos.

Até.