domingo, junho 26, 2005

A Sopa 04/49

Ainda o exílio.

Após a sua primeira fase, que é a chegada, o ser “arrancado” do mundo anterior e deixado num mundo novo, desconhecido, onde não existem referências maiores, passamos para a segunda fase, ou etapa. É a primeira fase da adaptação.

De novo, e insisto nisso, tudo o que relato sobre o exílio está relacionado única e provavelmente exclusivamente ao meu exílio pessoal, que não é realmente um exílio, mas funciona como, em termos de distância e tempo de reflexão. Aqueles que imigram para cá não têm uma experiência semelhante, porque sua vinda é para começar uma nova vida aqui – pelas mais diferentes razões – e normalmente não vêm sozinhos. Ou vem com a família ou formaram uma nova família aqui, e por isso, vêm. Estão se estabalecendo e – de certa forma – largaram tudo o que tinham no Brasil para fazer a nova vida dar certo.

Imagino que sentem-se “obrigados” a gostar do Canadá (o que não é nada difícil), já que a vinda foi uma decisão pensada, o processo de imigração é longo, tiveram tempo de estudar e ponderar bem sobre a decisão. Em boa parte, já sabem o que os espera na chegada, e o que vão enfrentar nos primeiros tempos, mas - mesmo assim - os primeiros seis meses, algumas vezes até mais, são difíceis: procura de emprego, ausência de experiência canadense (que conta muito na hora de conseguir o trabalho).

A minha situação foi (é) diferente. Eu não imigrei, não vim pensando em ficar aqui, vim por tempo limitado (incerto quando cheguei, mas definitivamente limitado), só, mas com “emprego” garantido. Por isso, sob certo prisma, não tinha obrigação de gostar daqui, já que não ia ficar o resto da minha vida morando no Canadá. Acho que tinha duas vantangens com relação a quem imigra: tinha o meu emprego garantido desde a chegada e não precisava gostar da cidade ou do país, afinal se eu achasse “muito ruim”, eu podia voltar para casa, que é em Porto Alegre.

Claro que essa hipótese – desistir, voltar para casa – jamais entrou em discussão. Em algumas ocasiões especiais, quis com maior insistência viajar à Porto Alegre para ficar junto da família, como quando da cirurgia da Kaká ou no aniversário da Jacque. Desistir nunca, retroceder jamais, esse sempre foi o lema, desde os Perdidos…

A segunda fase, então.

A segunda fase foi o início do trabalho no hospital, já acampado no apartamento onde moro até hoje, criar uma rotina de trabalho, de estudo. Atender pacientes em outra língua que não o português e – mais – discutir os casos com o meu supervisor. Eram vários testes simultâneos: estavam sendo testados o meu conhecimento e postura como médico, minha capacidade de comunicação, minha flexibilidade (para me adaptar ao ambiente de trabalho). Tudo ao mesmo tempo, óbvio, e o período de avaliação era de no máximo doze semanas. Eu tinha três meses para mostrar que eu era capaz de ser fellow aqui.

Não que eu estivesse preocupado. Não estava. Mesmo. Desde que a possibilidade da minha vinda tornou-se concreta, a minha grande preocupação sempre foi com o lugar em que eu iria morar, nunca se eu iria me adaptar ou não ao trabalho. As pessoas perguntavam o que eu iria fazer aqui e eu respondia que não sabia exatamente. “Como não sabe?”, era a reação mais comum. Não sabia, tinha uma idéia vaga, mas não me preocupava muito, não. Um pouco de inconsequência? Talvez.

Não sabia o que me esperava, mas confiava na minha capacidade de adaptação. O que mais me preocupava era realmente o inglês, a comunicação. Nos primeiros dias, foi combinado que eu ficaria acompanhando as consultas para depois, aos poucos, começar a atender os pacientes sozinho. Foi mais ou menos assim: no primeiro dia, realmente acompanhei, mas no segundo dia faltou um dos residentes e fui para a luta… O primeiro paciente que atendi foi como se eu nunca tivesse atendido um paciente antes. Toda a técnica de entrevista com o paciente que eu havia aprendido anos antes foi esquecida porque eu estava mais preocupado em entender o que o paciente dizia.

Mas foi só o primeiro. Depois, tudo ficou tranquilo. E veio a parte boa, que era atender o paciente, discutir o caso com o meu supervisor (que perguntava, “O que tu acha? O que fazemos? Por quê?”) e quando voltávamos para falar com o paciente de novo (pois eram pacientes dele) ver que ele lidava com eles e explicava as coisas quase que exatamente da mesma forma que eu fazia com os meus pacientes no Brasil. Foi como uma validação externa das minhas condutas e posturas, e isso foi bem legal.

Paralelamente a isso, eu terminava de escrever a minha tese de doutorado, e aí já é a terceira fase, que se mistura com a segunda, mas da qual vou falar no próximo domingo.

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Ciência e Religião

by Nelson Lehmann

E o eterno debate entre crentes e ateus sempre retorna.

A ciência desbanca a fé na medida em que evolui, segundo a tese comtiana. A fé confirma a ciência, de acordo com conservadores. Ora, seriam antes distintas esferas, que não deveriam interferir uma na outra. A ciência se propõe a responder à pergunta COMO? A religião quer responder ao POR QUÊ?

Perquirir como se originou o universo, como se processou a evolução, como se alcança a Cidade Perfeita, é função da ciência. Mas o Por Quê existe o universo e nossa consciência dele, não é pergunta que se ponha a um cientista. Estamos na esfera do religioso. O agnóstico apenas pode exigir que nos abstenhamos de perguntar o POR QUÊ.

Já a Filosofia nos ensina a fazer perguntas. A formular com maior exatidão as questões, o que já sugere implicitamente uma vontade de saber.

2 comentários:

Anônimo disse...

Voce mencionou justamente o que eu sempre pensava quando lia seu blog. "E o ingles?! Ele sabe TODOS os termos da medicina em ingles?!", "Como e a comunicacao?!", "Como e discutir com o superior dele" e por ai vai...
Ja, ja, voce ta no Brasil com a Jacque :) Beijos

Luly :) disse...

hmmmm... interesting!

Bjoca