Do terrores da vida.
De tempos em tempos, sou assaltado por pensamentos catastróficos, tipo um medo de ser acometido por uma condição médica que cause sofrimento para mim e para as pessoas próximas. Ser médico, nesse caso, é muito ruim, porque conheço, com maior ou menor profundidade, uma série de possíveis doenças as quais posso ser acometido.
A clássica, e talvez mais aterrorizante de todas, sempre foi a ELA (esclerose lateral amiotrófica), condição degenerativa do sistema nervoso que causa paralisia motora e irreversível, e cujos sintomas de fraqueza, atrofia e rigidez muscular, progridem para dificuldade para engolir, falar, e finalmente para respirar, levando à morte precoce por insuficiência respiratória. Um terror, para o paciente e a família.
É óbvio que não é um pensamento recorrente que atrapalhe a vida, esse de imaginar que essas condições podem me acometer de alguma maneira, mas eventualmente eles surgem, ao atender um paciente ou ler a respeito.
Ontem, por exemplo.
Estou lendo nesse momento um livro chamado ‘Alucinações Musicais’, escrito pelo neurologista e escritor falecido em 2015 Oliver Sacks. Nesse livro, uma série de relatos de casos, ele fala de diferentes condições e causas diversas, que podem causar, como o nome diz, alucinações musicais, ou amusia, uma condição que afeta a capacidade de alguém processar, reconhecer, reproduzir e expressar música. Um livro extremamente interessante.
Um dos capítulos fala de amnésia, e conta um caso de um paciente músico que – após uma encefalite, infecção do sistema nervoso central, por herpes, mas que poderia ser após um traumatismo craniano como eu tive em 1990 – perdeu completamente a memória e, mais, perdeu a capacidade de reter qualquer tipo de memória de mais de poucos segundos. Tipo filme de terror mesmo. Quase o tempo todo como se despertasse de um longa e escura noite e não tinha como lembrar de nada de sua vida prévia, ou do futuro. Vivia constantemente em um presente assustador de poucos segundos, que se repetia incessantemente.
Havia perdido para sempre a memória do que havia feito, de suas histórias, de suas relações, de quem era, no final das contas, porque somos a soma de tudo que vivemos. Somos todas as histórias que vivemos.
Se não existem histórias a serem contadas, não existe a vida.
Que medo.
Até.