terça-feira, abril 15, 2025

Amnésia

Do terrores da vida.

 

De tempos em tempos, sou assaltado por pensamentos catastróficos, tipo um medo de ser acometido por uma condição médica que cause sofrimento para mim e para as pessoas próximas. Ser médico, nesse caso, é muito ruim, porque conheço, com maior ou menor profundidade, uma série de possíveis doenças as quais posso ser acometido.

 

A clássica, e talvez mais aterrorizante de todas, sempre foi a ELA (esclerose lateral amiotrófica), condição degenerativa do sistema nervoso que causa paralisia motora e irreversível, e cujos sintomas de fraqueza, atrofia e rigidez muscular, progridem para dificuldade para engolir, falar, e finalmente para respirar, levando à morte precoce por insuficiência respiratória. Um terror, para o paciente e a família.

 

É óbvio que não é um pensamento recorrente que atrapalhe a vida, esse de imaginar que essas condições podem me acometer de alguma maneira, mas eventualmente eles surgem, ao atender um paciente ou ler a respeito.

 

Ontem, por exemplo.

 

Estou lendo nesse momento um livro chamado ‘Alucinações Musicais’, escrito pelo neurologista e escritor falecido em 2015 Oliver Sacks. Nesse livro, uma série de relatos de casos, ele fala de diferentes condições e causas diversas, que podem causar, como o nome diz, alucinações musicais, ou amusia, uma condição que afeta a capacidade de alguém processar, reconhecer, reproduzir e expressar música. Um livro extremamente interessante.

 

Um dos capítulos fala de amnésia, e conta um caso de um paciente músico que – após uma encefalite, infecção do sistema nervoso central, por herpes, mas que poderia ser após um traumatismo craniano como eu tive em 1990 – perdeu completamente a memória e, mais, perdeu a capacidade de reter qualquer tipo de memória de mais de poucos segundos. Tipo filme de terror mesmo. Quase o tempo todo como se despertasse de um longa e escura noite e não tinha como lembrar de nada de sua vida prévia, ou do futuro. Vivia constantemente em um presente assustador de poucos segundos, que se repetia incessantemente.

 

Havia perdido para sempre a memória do que havia feito, de suas histórias, de suas relações, de quem era, no final das contas, porque somos a soma de tudo que vivemos. Somos todas as histórias que vivemos.

 

Se não existem histórias a serem contadas, não existe a vida.

 

Que medo.


Até.