domingo, abril 09, 2023

A Sopa (Perdidos Mães e Filhos 21)

 A Viagem (9).

 

Sexta-feira, dez de fevereiro de dois mil e vinte e três.

 

Quinto dia em solo italiano, hora de sair (temporariamente) da Toscana e terminar o dia na cidade eterna, Roma. Uma música não para de tocar em minha cabeça:

 

T'invidio turista che arrivi,

t'imbevi de fori e de scavi,

poi tutto d'un tratto te trovi

fontana de Trevi ch'e tutta pe' te!

 

Te invejo, turista que chega, se “embriaga” de fóruns e de escavações, e de repente se encontra, Fontana de Trevi que é tudo para você... numa tradução livre minha. A música continua no refrão que cantaríamos na segunda-feira, “Arrivederci Roma...”. Não era hora de despedida, estávamos a caminho de lá.

 

Seria o primeiro dia de distâncias mais longas percorridas, mas não muito, na verdade. Mais ou menos duzentos quilômetros desde Montepulciano até Roma, com o plano de passar no Lago de Bracciano em meio ao caminho. Sem nos enrolar, após o café da manhã carregamos o carro e pusemos “o pé na estrada”. Seriam mais de três horas e meia de estrada sem parar, o que não era uma opção. Paradas para o uso do banheiro, cafés, esticar as pernas eram frequentes por necessárias. Acessamos a SR 2 em direção à Roma. O dia, rotina de sempre, claro e ensolarado. 

 

Não seria o trajeto mais direto, pois optamos por seguir a rota que passasse junto ao Lago Bolsena, lago de origem vulcânica, que é o quinto maior lago da Itália e o maior lago vulcânico da Europa (!). Registros romanos indicam que a atividade mais recente do vulcão Vulsini ocorreu no ano 104 antes de Cristo, e tem estado dormente desde então.Como anteriormente já havíamos passado por outros lagos italianos como o Trasinemo, o Como, o Maggiore e o Garda, acrescentaríamos mais um à nossa lista.

 


Città di Bolsena


O que nós não sabíamos até chegar lá, é que a cidade de Bolsena, já no Lazio, província de Viterbo, também parte da já falada Via Francígena, pequeno balneário (resort) às margens de mesmo nome, pouco mais de quatro mil habitantes, com inúmeros hotéis, pousadas e casas de temporada, em que a prática de esportes náuticos é uma das atrações, é ela, por si e por sua história, uma interessante atração. Já na chegada à cidade, faixas indicam que ela é a cidade do ‘Milagre Eucarístico’ ou, como eu repeti muitas vezes em tom jocoso, ‘a cidade em que inventaram o Corpus Christi’.

 

Basílica de Santa Cristina


Dizem os registros que o padre Pedro de Praga duvidava sobre a presença de Cristo na Eucaristia, e então realizou uma peregrinação em 1263 até Roma para rogar sobre o túmulo de São Pedro uma graça de fé.  Ao iniciar a viagem de regresso, enquanto celebrava uma missa justamente em Bolsena, na cripta de Santa Cristina, a hóstia sangrou, manchando o corporal com sangue. A notícia chegou rapidamente ao Papa Urbano IV, que estava muito perto de Orvieto e mandou que o corporal fosse levado até ele. A relíquia foi levada até ele e diz-se que o Pontífice, ao ver o milagre, ajoelhou-se diante do corporal e, em seguida, o mostrou à população.

 

Mais tarde, ele publicou a bula Transiturus, com a qual ordenou que fosse celebrada a Solenidade de Corpus Christi em toda a Igreja na quinta-feira depois do domingo da Santíssima Trindade. A relíquia é conservada na Catedral de Orvieto e pode ser apreciada em uma capela construída em honra a este chamado milagre Eucarístico, e sai em procissão todos os anos durante a celebração de Corpus Christi.

 

Deixamos o carro e fomos caminhar pelas ruas de Bolsena, visitando uma pequena parte do Centro histórico. Por suas ruas estreitas, seguimos para visitar a Basílica de Santa Cristina. 

 

Foi nessa Basílica em que ocorreu o já falado ‘Milagre Eucarístico’, em 1263. Dedicada à Cristina de Bolsena, ou Cristina, a Mártir, ela foi consagrada no ano de 1077, a há registros de que Santa Cristina já era venerada no século IV. A história dessa Santa Cristina, como o nome Mártir dá a entender, não é fácil. Diz a lenda, sim, lenda porque não há registros históricos de que ela tenha realmente existido, que Cristina era filha de um rico comerciante pagão chamado Urbano que a teria mandado torturar por conta de sua fé, mas que não teve sucesso por diversas vezes por causa de uma intervenção de Deus.


A natureza da tortura varia com a versão da história, mas aparecem ganchos de metal, grelha sobre o fogo, a fornalha, a roda, cobras venenosas, flechas, afogamento com uma pedra amarrada aos pés e diversos outros métodos, sendo que todos fracassam. Após a morte de seu pai, seu sucessor, Dion, continuou a torturá-la. Em todas as versões da lenda, Cristina eventualmente morre, mas não antes que Deus derrame a sua fúria sobre os seus torturadores.

 

Foi essa história, numa tradução mais ou menos livre do espanhol, que a Roberta nos contou, com detalhes tipo “seu pai cortou com faca pedaços da carne dela, e ela os jogou na cara do pai”, e outras atrocidades. Mesmo assim, fomos visitar a Basílica.

 

Que estava deserta.

 

Entramos, começamos a visita por nossa conta, com o respeito em que entramos nas cerca de um milhão de igrejas que entramos durante a viagem, até que apareceu uma mulher que veio falar conosco, em italiano, óbvio. Falou, falou, até que perguntou, num tom convincente, se iríamos visitar as catacumbas. Eu disse que sim, seria interessante, e ela então disse que seriam cinco euros por pessoa (trinta, ao todo). Aí não tinha mais volta. Pagamos e fomos visitá-las.

 

Nas catacumbas


Assim que passamos para a área das catacumbas, a mulher fechou e chaveou um portão de ferro atrás de nós, como se fôssemos ficar um longo tempo por aí, ou... nada. Logo abriu, e seguimos nossa visita, sem entender o porquê daquilo. Bem interessante a visita, confesso.

 

Saímos da Catedral e, ao voltarmos ao carro, paramos em um café para – vejam só – um café e ir ao banheiro antes de retornar à estrada. A Jacque pediu um caffè macchiato, e eu fiquei pensando. Assim que ele terminou de servi-la, perguntou-me e eu também queria um macchiato, no que ele retrucou: por que não pediu antes, então?! Justo... Enquanto tomávamos o café, e os outros ia se revezando para o banheiro, a Mãe, após estar pronta, ficou na frente do café, no sol, nos esperando. Não demorou muito para que o dono, um senhor de bem mais idade, oferecesse a ela uma cadeira para que ela se sentasse. Foi o que bastou para ele virar o galã que estava interessado nela, e já devíamos pensar em nos mudar para lá, segundo a Roberta e a Karina...

 

Sylvester Stallone??


Risadas e risadas, mas ainda tínhamos um caminho à frente, e nossa próxima parada seria para almoçar em Bracciano, às margens do lago de mesmo nome, antes de encerrar o dia em Roma. Trajeto de oitenta quilômetros, chegamos lá por volta das 14h, e acabamos almoçando (logo antes de fechar) na Osteria del Borgo, realmente um excelente almoço.


Osteria del Borgo, Bracciano

 

Era hora de chegar em Roma.

 

Até.

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