(Moacyr Scliar)
Na exposição que, em 2004, lembrou o centenário da colonização judaica no RS, havia uma foto antiga que chamava a atenção. Mostrava dois homens tomando chimarrão, ambos usando trajes típicos gaúchos. Um deles era nascido e criado no Estado; o outro era um imigrante, chegado não havia muito tempo da Rússia. No entanto, os dois eram indistinguíveis. A cultura conseguiu o milagre de torná-los semelhantes.
Porque é uma cultura forte, a cultura gaúcha. A gente viaja pelo oeste do país e em vários lugares vamos encontrando núcleos urbanos constituídos por gente originária de nosso Estado. Alguns destes pioneiros estão ali há décadas, já tem filhos, netos e bisnetos. E estes descendentes freqüentam CTGs, cantam e dançam música gaúcha, mesmo que nunca tenham vindo ao nosso Estado.
É uma impressionante manifestação de vigor cultural, sobretudo em nossa época. Vivemos em um tempo de globalização, que é ao mesmo tempo de homogeneização, uma homogeneização que decorre sob a égide da grande potência de nosso tempo, os Estados Unidos. Em toda parte, as pessoas vêem os mesmos filmes, comem os mesmos hambúrgueres do McDonald's, tomam Coca-Cola. Tirando os aspectos nutricionais, isto não é necessariamente ruim; afinal, habitamos um mundo só, precisamos de coisas que nos sirvam de denominador comum. Mas não podemos esquecer que existe uma palavra-chave para qualquer ser humano. Esta palavra-chave é identidade, aquilo que nos afirma como pessoas e, ao mesmo tempo, garante nossa adesão a um grupo, a uma comunidade. Sem identidade, corremos o risco de nos dissolvermos na geléia geral, de perdermos nossos característicos.
Os gaúchos, talvez até por instinto, se deram conta disso. A cultura criada em nosso Estado, sem ser muito antiga (não estamos falando de milênios, como na China ou na Índia), consolidou-se e, mais, foi adotada pelos contingentes migratórios que em sucessivas levas chegaram ao nosso Estado. O 20 de Setembro evoca um episódio importante de nossa História - e é também uma ocasião de reafirmar a identidade gaúcha. Que, desafiando o tempo e o espaço, permanece sempre autêntica.
(texto publicado na edição de hoje, 20/09/2005, no jornal Zero Hora, de Porto Alegre)
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