quarta-feira, setembro 30, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Duzentos Dias

 Duzentos dias.

 

Inacreditáveis duzentos dias de pandemia aqui no Sul do Mundo. Erros (muitos) e acertos (alguns) ocorreram desde então, na forma com que se lidou com a situação. Ainda tenho a ideia de que nos comportamos, como um todo, população e governantes, como se ainda estivéssemos em 1918 e fosse a gripe espanhola nos aterrorizando. Falando em aterrorizar, já está descrita a mais nova fobia, a coronafobia. 

 

Sério.

 

Sabemos que, durante pandemias, o medo, a ansiedade e as preocupações são consequências psicológicas importantes. Não seria diferente agora, e já temos estudos descrevendo a coronafobia, o medo de ter COVID-19. A definição de coronafobia é “an excessive triggered response of fear of contracting the virus causing COVID-19, leading to accompanied excessive concern over physiological symptoms, significant stress about personal and occupational loss, increased reassurance and safety seeking behaviors, and avoidance of public places and situations, causing marked impairment in daily life functioning. The triggers involve situations or people involving probability of virus contraction, such as, meeting people, leaving house, travelling, reading the updates or news, falling ill or going for work outside”. 

 

Temos visto por aí, em maior ou menor gravidade, muitos casos de coronafobia. Informação séria, sem vieses ideológicos, pode ser parte do tratamento. Para alguns, é tudo o que é necessário.

 

E mesmo que tenhamos receios reais (e mesmo diversos imaginários) temos que seguir a vida, com as precauções de sempre. Lembrar sempre, também, que o vírus não é o único risco a que estamos potencialmente expostos.

 

Hoje de manhã, fui cortar o cabelo e aparar a barba. Numa barbearia, como faço desde que passei a cultivar a barba. Pequena distância de casa, vou andando. Chove na manhã quente de Porto Alegre. Chego no horário marcado, sou o primeiro cliente da manhã.

 

Cabelo cortado, passamos à barba.

 

Decido baixá-la bem, máquina um, porque facilita com relação à máscara que uso para trabalhar. Além disso, a ideia é deixá-la maior no inverno. Começa com a máquina (rasuradora em espanhol, informação irrelevante no momento) e, para os “ajustes precisos”, a navalha. É colocada uma toalha quente no rosto para amaciar a pele e, a seguir, com os olhos cobertos também por uma toalha (não quente dessa vez) é o momento de terminar o serviço em detalhes. 

 

É nesse momento que penso, de olhos fechados, uma toalha sobre meus olhos, que esse é o melhor momento para quem quisesse me assassinar. Uma navalha, meu pescoço ali, exposto, disponível. Seria muito simples. Uma simples passada da navalha com uma pressão maior, sobre a minha carótida, eu sentiria a dor aguda do corte, um líquido quente e viscoso escorrendo pelo meu pescoço por poucos segundos antes de perder a consciência, e minha cabeça pender para o lado, já sem vida.

 

Seria rápido, quase indolor.

 

Baixariam as cortinas do local para retirar o meu corpo da cadeira e limpar o sangue que estaria espalhado pelo local, aquele odor ocre de sangue coagulado. Numa sala no fundo do local (administrado pela máfia, numa liberdade criativa minha) meu corpo seria esquartejado e meu restos levados embora, apagando qualquer vestígio de que eu estivera algum dia.

 

Eu simplesmente desapareceria do mundo.

 

Seria procurado. Família e amigos fariam vigílias, correntes em redes sociais e colariam cartazes em postes. Tudo em vão. Com o tempo, eu seria a história do cara que saiu de casa para cortar o cabelo e nunca mais voltou.

 

Duzentos dias de pandemia.

 

Está na hora de acabar...

 

Até.

segunda-feira, setembro 28, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa e Oito Dias

 Política.

 

Começou ontem, no Brasil, a campanha para as eleições desse ano, para Prefeitos e vereadores. Normalmente, o primeiro turno ocorreria no próximo final de semana, mas – devido ao ano atípico – será dia quinze de novembro. Portanto, nos próximos quarenta e poucos dias podem surgir por aqui, em meio aos meus escritos sobre a pandemia, um que outro texto sobre o assunto.

 

Vou falar do local, mas tentando ser mais amplo em minhas reflexões.

 

Hoje de manhã ocorreu o primeiro debate com os candidatos à Prefeitura de Porto Alegre. Treze ao todo. Foi transmitido pelo rádio e mostrado em redes sociais. De maneira inédita e não convencional (o coronavírus tem sido responsável por vários eventos não convencionais) o debate foi no formato drive-in.

 

Os candidatos estavam em seus carros estacionados no estacionamento da Rádio Gaúcha (ou da RBS, não tenho certeza), em Porto Alegre, com o mediador circulando por entre os carros, e dali puderam debater. Sem aglomerações e com distanciamento. Quando começou o debate, eu estava praticando atividade física (segundas e sextas-feiras faço logo de manhã) e ouvindo pelo celular.

 

Primeira pergunta, para uma candidata de esquerda, é sobre as melhorias a serem feitas em determinado bairro de Porto Alegre. A resposta, que começa chamando o Presidente da República de bandido e o atual Prefeito (ali presente, candidato à reeleição) de “proto-fascista”, não responde o que foi perguntado, apenas ataca pessoas. A segunda, para um candidato de extrema esquerda, é sobre o projeto para a cidade. A resposta, começa com um “não temos um plano para a cidade, mas sim para o país e o mundo, que é a revolução socialista e a implantação do comunismo”. 

 

Foi quando eu larguei de mão. Não preciso ouvir bobagens nesse nível.

 

É um grande teatro, todos sabemos. Esse primeiro debate serve – dizem – não para definirmos em quem votar, mas sim em quem não votar. Pode ser mesmo.


Mas eu sei em que eu não vou votar.

 

Qualquer candidato por partido que tenha comunismo no nome. Quem defende comunismo defende um fracasso completo e a morte de milhares de pessoas, assassinadas ou de fome. Partidos que sejam – desde o seu nome – uma falácia, com socialismo e liberdade, que nunca estão juntas. Quem defende regimes criminosos, como da Venezuela ou Cuba. Quem defende criminosos condenados, quem defende corruptos. Qualquer partido vinculado ao Foro de São Paulo.

 

Quem se diz a favor da tolerância, se investe de moralmente superior, mas chama qualquer um que pense diferente de “gado” e o agride, às vezes fisicamente. Quem escreve ‘amigxs’, ou amig@s” ao invés de amigos. 

 

Muitos em quem não votar.

 

Em quem votar?

 

Não sei, e nem é minha ideia ou intenção abrir o voto, ao menos por enquanto (se é que vai acontecer). Tem tempo para estudar, me informar melhor.

 

Mas saber o que não queremos para nossa cidade, estudo e país já é um bom começo.

 

Até.

domingo, setembro 27, 2020

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa e Sete Dias)

Confissões.


Por incrível que pareça para você, fiel leitor, nem todo mundo gosta de mim. Não sou uma unanimidade. Sério.

 

Verdade.

 

Entendo seu espanto, contudo. Como alguém pode não gostar de mim, um cara bem-humorado, simpático e modesto?


Falando sério, agora.

 

Acontece que, durante algum tempo, quando era mais novo e achava que precisava provar muita coisa para muita gente, eu realmente quis que todo mundo gostasse de mim. Foi duro descobrir que isso é impossível, por diversas razões. Desde as relacionadas a quem sou e aquilo quero para minha vida, até aquelas relacionadas às circunstâncias da vida e às outras pessoas. Nada é nada anormal que pessoas entrem e saiam de nossas vidas.

É um processo de seleção, isso o que vamos fazendo durante a vida. Encontramos pessoas, as conhecemos, nos conhecemos melhor por interagirmos com elas, nos reconhecemos nelas. Nem todos estão na mesma sintonia que nós, ou não estão no mesmo barco, seja lá o que isso quer dizer.

 

Procuramos aqueles que são parecidos conosco, com quem nos identificamos. E isso é muito mais marcado quando somos bem jovens, quando estamos formando nossa identidade social, digamos assim, que nada mais é que a forma com que o mundo nos vê e com a qual nos apresentamos.

Para reafirmar nossa própria identidade, procuramos aqueles que se identifiquem com quem somos, ou achamos que somos. É a fase das turmas, dos grupos, todos iguais, músicas iguais, roupas iguais. Lembro do All Star preto, que marcou uma fase. Tudo isso é importante e até fundamental para nos tornarmos adultos, para crescermos.

Chega um momento, porém, que aqui aquilo que somos não muda mais, ao menos não em essência. E chega o dia que percebemos que não podemos (e na verdade não queremos) agradar a todos, fazer todos gostarem de nós. Como toda revelação, que pode ser uma epifania ou não, não é tão simples, e por mais que alguém diga que foi tranquilo, nunca é. Tem gente que nunca consegue, e passa a vida se preocupando com o que os outros vão pensar. E tomando atitudes em virtude do que os outros vão pensar.


Muitas vezes, para chamar a atenção – pois precisam disso, de plateia, circo – criam polêmicas, agridem, tentar chocar os outros e, se e quando conseguem, ficam em estado de êxtase com as reações a suas provocações. Como muitos dos que escrevem em redes sociais. Criam polêmicas, acirrados debates, dão respostas agressivas quando, no fundo, são apenas crianças pedindo atenção. Eu não dou corda a esses provocadores. Não dou bola, que escrevam o que quiserem. Se eu não gostar, ou ficar ofendido, não leio mais, e tenho o poder de exclui-los de minhas relações, de bloqueá-los.


Outro problema que é íntimo desse é que tem muita gente que se leva muito a sério. Que se acha mais ou melhor que outros e saí por aí gritando isso. Vale para as redes e para a vida real. Esses, estão destinados ao esquecimento.


Eu não me levo tão a sério assim. Escrevo porque gosto e porque sinto necessidade de fazê-lo. O que escrevo é de minha única responsabilidade, e arco com as consequências do que digo e faço. Não preciso provar nada para ninguém, mas devo confessar que – de vez em quando - não consigo não pensar que ser quem eu sou e estar onde estou é uma forma de vingança contra alguns por aí que – além de não gostarem de mim – ainda tentaram puxa o meu tapete.


E não conseguiram. 


Até.

 

(um texto de quinze anos atrás, extremamente atual...)

quinta-feira, setembro 24, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa e Quatro Dias

Vocês ainda lembram?

 

De como era lá em março, quando tudo isso começou?

 

Não falo da vida normal, do dia-a-dia, que alguns insistem em afirmar que não voltará a ser como antes, como – aliás – nunca é. Nada será como antes, amanhã, já diz a música. Nunca é e nem nunca somos, e volto às águas do rio de Heráclito, que nunca são cruzadas duas vezes, porque não são as mesmas águas e não somos os mesmos.

 

Estou falando, isso sim, do início da pandemia, quando – apavorados pelo não conhecimento do que acontecia – entramos em uma quarentena (in)voluntária para diminuir a disseminação do vírus, para que o sistema de saúde se preparasse para a sobrecarga de pacientes. Achatar a curva, esse o objetivo combinado.

 

E a achatamos.

 

Mas o que significava achatar a curva, afinal de contas?

 

Que o ritmo de infecção fosse reduzido a ponto de o número de casos graves não ultrapassasse a capacidade de atendimento, principalmente em termos de leitos de UTI e respiradores. Reforço bem esse ponto: reduzir o ritmo de infecção. Em nenhum momento se falou em evitar que as pessoas se infectassem em algum momento. Queríamos proteger aqueles em risco de formas graves. Nunca foi impedir o vírus de circular.

 

Até porque isso é impossível. 

 

Virus gonna virus, diz a expressão. Ou seja, o vírus vai circular, independente do que fizermos. O certo a ser feito é minimizar os seus efeitos na medida do possível, principalmente protegendo aqueles que são mais vulneráveis a ele. Idosos, portadores de doenças crônicas, obesos. Distanciamento social, evitar aglomerações em locais fechados, uso de máscaras, lavagem de mãos, álcool gel.

 

O problema é que em algum momento a narrativa (sempre a narrativa) mudou completamente. De achatamento da curva (velocidade menor na taxa de infecção e, consequentemente, de casos graves e mortes) passou-se a – mesmo que indiretamente, subliminarmente – pensar em ninguém se infectar. Desse pensamento para a ideia mágica de que as coisas só devem voltar a um certo normal com uma possível vacina foi um pequeno passo. Irracional, mas dentro de uma certa lógica.

 

E então misturaram no meio do caminho a política, e as coisas “pioraram”.

 

A cobertura negativa, alarmista e irresponsável às raias de ser criminosa de determinada parte da imprensa tem levado o grande público ao medo exagerado, com consequências bem ruins. E quem ousasse questionar qualquer um dos novos dogmas estabelecidos (“fique em casa”, “até agosto morrerão um milhão de brasileiros”, “a economia a gente vê depois”) era chamado de egoísta, genocida e terraplanista. A Suécia? “Experimento”, diziam. Berravam por aí que suas condutas eram “ciência”, como se fossem os donos da verdade. Nunca foram.

 

E nunca admitirão isso.

 

Em ciência devemos ser, antes de tudo, humildes. Nunca esquecer que, se enxergamos longe, é porque estamos sobre os ombros de gigantes. Os que vieram e estudaram antes do nós, que criaram hipóteses, as testaram, erraram, fizeram ajustes, novos estudos até chegaram a conclusões que serão verdadeiras até novos conhecimentos surgirem que substituem os atuais. Sempre foi assim. Sempre será.

 

Aqui no sul do mundo, onde o vírus chegou bem depois, parece que já passamos pelo pior, e a curva começa de cair. Observemos. Tentando olhar o mundo baseado nos fatos, não na narrativa de fim de mundo.

 

Até. 

terça-feira, setembro 22, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa e Dois Dias

 Primavera.

 

Sexta-feira passada escrevi um texto para publicar aqui. Seria mais um registro do meu Diário da Bolha, um tópico a parte dessas Crônicas de uma Pandemia. Contava um pouco da rotina por esses dias aqui dentro dessa bolha em que vivo. Falava de pessoas próximas, de como estão vivendo esse momento. Não revelava nada perturbador nem íntimo, reconhecia o privilégio que temos por estar vivendo aqui na bolha e – mais ainda – dizia estar ciente do sofrimento de muitos, doentes ou não.

 

Não o publiquei, contudo, e o deixei numa gaveta virtual para ler mais uma vez antes de fazê-lo. Revisar, reescrever talvez. Seria a Sopa de domingo. 

 

Não foi.

 

Outro tema atropelou e se impôs como a crônica dominical. Muito melhor, muito mais leve e mais poético, sob certo prisma. Fiquei feliz.

 

Porque isso muitas vezes acontece: uma história se impõe, nos coloca contra a parede e praticamente nos faz publicá-la sob coerção. A literatura tem dessas, e a música também. Acima de tudo, nesse caso, a Sopa que antecipava a primavera tinha que ser assim, mais leve, que nos fizesse sorrir (e foi assim comigo enquanto a escrevia) e acreditar que o longo inverno da pandemia vai acabar.

 

Sempre gostei a primavera por isso.

 

Recomeço.

 

A vida renascendo, os dias mais claros, as manhãs de sábado de sol (o melhor momento da semana). O verde dos parques mais verde que nunca. As pessoas mais leves, mais sorrisos e mais cores. O ano indo para o fim, já de olho no Natal e no novo ano que virá em pleno verão.

 

Pandemia ou não, tudo começa a melhorar a partir de agora.

 

Eu acredito.

 

Quanto ao texto de sexta, reli e reescrevi. Li mais uma vez, e não fiquei satisfeito. Mostrei para a Jacque (nunca mostro textos a ela antes de publicar), e ela concordou comigo. Coloquei, então, ele de volta em uma gaveta virtual: a dos textos que serão esquecidos.  

 

Não era importante.

 

Até.

domingo, setembro 20, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Noventa Dias)

 

Há mais de meio ano, a vida está em suspenso.

 

Apesar de sair de casa todos os dias, de ir ao hospital, trabalhar, fazer atividade física, fazer compras no supermercado, mesmo com essas atividades de vida diária ocorrendo quase como antes, sim, a vida permanece em suspenso. Não sabemos como será o próximo dia, riscamos o calendário (mesmo que virtualmente) cada dia que termina, pois é mais um que se foi e menos um até o final dessa prisão.

 

Isso. Estamos presos desde março, e não sabemos até quando.

 

Quando voltaremos a vivermos de forma leve, sem máscaras (reais e imaginárias). Aliás, quantas máscaras caíram nesses dias de pandemia?

 

Deixa para lá.

 

Penso no que estamos perdendo, do que estamos sendo privados. E volto ao princípio da churrasqueira em casa, que tem o seguinte enunciado: Se vou fazer churrasco ou não, não importa. O importante é o poder fazer, caso eu queira. O que isso tem a ver com a pandemia?

 

Existem atividades/situações que eram ou não habituais, semanais, eventuais, circunstanciais ou não, e que tem feito muita falta. Pode-se argumentar que essa sensação é só porque não são possíveis os encontros sociais no momento, e é verdade, e não importa.

 

O almoço de domingo na casa dos meus pais. O almoço de sábado com os meus sogros e a Karina. As idas à Montenegro na casa do Giba. Os almoços e jantares de família aqui em casa. Os churrascos no Tio Vicente. Os Ein Prosit cantados pelos Lehmann. Nova York, no Brooklyn. Os planos de viagem. O churrasco de sexta-feira na Porto Belo com o Xandi, que já não fazíamos há alguns anos por incompatibilidade de horários. A reunião da Turma do Muro. Os encontros com o Radica (que voltou a morar em Porto Alegre depois de quase dez anos) e o Márcio. Os encontros (e os planos de viagem) com o Pedro e a Zeca. As reuniões do Trio Rainbow (Giovana, Sofia e Marina) e os planos de viagem. Os churrascos das famílias da turma da Marina do Bom Conselho. Os Churras da Libertadores que já há tempos não tem nada a ver com a Libertadores. As quartas-feiras de manhã na radiologia do Pavilhão Pereira Filho com o Thiago e a Ana. As tardes de quarta-feira no ambulatório de Fibrose Cística da PUC. Os almoços de quinta-feira no Leco, na mesa redonda reservada para nós. A pescaria na Argentina que teria sido semana passada, que seria a minha primeira com o grupo do almoço e o Magno junto. As antigas noites em que ficávamos aqui em casa conversando e tocando música até madrugada, e o Magno acabava dormindo no sofá na sala que já não existe mais. As Sopas de Ervilhas Anuais do Marcelo. As noites em claro caminhando por Porto Alegre. Os encontros com os colegas da Escola Técnica de Comércio. E com os colegas do primeiro grau. Os pequenos eventos de laboratório em que jantávamos, tomávamos vinho e ríamos muito até às dez horas da noite, quando era hora de voltar. O Passo de Brenner. Rasun di Sopra no Natal. Carnaval em Innsbrück. Uma foto Beatle em Dobbiacco. Neve em Banff e Lake Louise Inn. Utah Beah e Omaha. Os Perdidos na Espace. Os planos de viagem. Mesmo as memórias mais antigas, pessoas e lugares que estão no passado e não voltam mais, como a casa dos meus avós em Montenegro e a iluminação noturna na época do Natal, o silêncio após o almoço e o sol alto dos verões no Imbé, na casa que não existe mais em meu mundo, as manhãs de sábado de sol de verão. A vontade de morar um tempo fora do Brasil. Os planos de viagem.

 

O isolamento e o distanciamento também nos fazem voltar no tempo.

 

Seis meses de reclusão até aqui.

 

Vai acabar. 

 

Até.

sábado, setembro 19, 2020

quarta-feira, setembro 16, 2020

Diário da Bolha

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Oitenta e Seis Dias)

 

Alô?

 

Falo aqui direto da minha bolha, esperando que alguém consiga ouvir (ler) de dentro da sua. Tento um diálogo honesto, que possa romper o isolamento acústico que viver em uma bolha nos proporciona. Pensar junto, com calma.

 

Isso, vocês já sabem, é impossível em redes sociais, Facebook, Twitter e Instagram em especial. Lá, o muro que envolve nossas bolhas tem a espessura suficiente para não ouçamos nada ou ninguém de fora. São territórios de aceitação dos que pensam igual e de negação (cancelamento?) de quem discorda da gente. Ia falar sobre a “cultura” do cancelamento em redes sociais, mas estou sem saco para isso. É ridículo e infantil, não vale à pena perder tempo com isso.

 

Aqui na minha bolha tem chovido mais do que gostaríamos, a umidade relativa do ar está alta, e tentamos olhar o mundo de maneira o mais racional possível. Avaliar o mundo e tudo o que acontece baseado nos fatos, não na sensação. Nem sempre é fácil, às vezes nem é possível. Já venho fazendo esse exercício há mais tempo, e tem se mostrado útil na pandemia. Colocar as coisas em perspectiva sempre ajuda a termos mais clareza na interpretação dos acontecimentos.

 

Hoje fiz a vacina. Ou não.

 

Saberei só mais adiante, com o passar do tempo. Voluntário, contribuo como posso. Legal ver a enfermeira que me coletou sangue feliz com o fato de estar participando de um momento histórico, de estar contribuindo.

 

Sempre estamos, sempre estamos.


Até. 

domingo, setembro 13, 2020

A Sopa

 (Crônicas de uma Pandemia – Cento e Oitenta e Três Dias)

Amenidades. Ou não.


Falo daqui da minha bolha, como sempre.

 

E não é assim para todos? Tudo aquilo que vivemos, como vemos o mundo, nossa perspectiva de mundo, tudo isso mesmo, não é a visão de dentro da bolha? Vivemos em nossas bolhas de segurança, e a partir daí que emitimos nossas opiniões que ninguém pediu.

 

Assim são as redes sociais: pessoas julgando o mundo, o seu mundo, a partir de sua bolha. Gritando suas verdades, suas respostas a perguntas que em realidade ninguém fez. E eu?

 

Eu procuro não gritar, e – no máximo – convido as pessoas a virem aqui e quem sabe pensarmos juntos. Só entra quem quer, evito jogar minhas opiniões na cara dos outros. Penso que isso me exime um pouco da culpa, não estou obrigando a ninguém a vir aqui. Eu convido, e todos serão bem recebidos.

 

 Mas falava da minha bolha.

 

Procuro, ao máximo, exercer o que chamam de empatia, tentar me colocar no lugar dos outros para quem sabe entender o quê e o porquê de fazerem o que fazem e pensarem o que pensam. Olhar a realidade sob diferentes perspectivas. É um trabalho diário, árduo, que deve ser feito.

 

#

 

Hoje foi dia de treino de bicicleta pela manhã, que amanheceu nublada e úmida. Foram 25km, no único dia dos últimos dois finais de semana que pude sair, pela chuva. No somatório da semana, contudo, meta atingida. 

 

Enquanto andava, ouvia um podcast sobre Anarcocapitalismo. Em meio a um episódio que era uma entrevista, o entrevistador falou que já era velho, afinal já tinha quarenta anos. 

 

Quarenta anos!

 

O que dizer?

 

 

Para não dizer que não falei de flores (e vírus).

 

Essa ideia de só voltarem as aulas quando houver vacina disponível é, além de pensamento mágico, de uma ingenuidade tocante. Daqueles momentos em que temos de sorrir, e dar tapinhas nas costas de quem falou e apenas murmurar “Pronto, pronto...”. E mais infantil ainda é a proposição de que só se retorne às atividades quando não houver risco nenhum. 

 

Um dos efeitos conhecido do isolamento social, da quarentena, é um certo de grau de prejuízo das funções cognitivas. Aqueles que defendem a manutenção das crianças em casa, mesmo com os gigantes prejuízos que todas as crianças terão, em maior ou menor grau, só pode estar com seu julgamento prejudicado. É o medo vencendo a razão.

 

#

 

Todos estamos cansados. Todos.

 

Mas temos que seguir com a vida, com os cuidados que o momento requer, sim, mas seguir com a vida.

 

E olhar para fora da bolha ajuda a entender o que se passa com os outros, em outras situações de vida.

 

Até.

sábado, setembro 12, 2020

Sábado (e quando vai voltar o sol?)

       Uma tarde de sol, há muito tempo... 

      Victoria/BC, Canada

      Maio/2013    

quinta-feira, setembro 10, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Oitenta Dias

Cento e oitenta dias de distanciamento social e pânico.


Que loucura. 


Ninguém, em seus mais loucos delírios, poderia imaginar que estaríamos há seis meses vivendo essa situação maluca de estarmos ainda com a vida meio em suspense devido ao coronavírus. Vivemos uma ficção.

 

Uma distopia.

 

Distopia, lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; antiutopia. Essa é a melhor definição de 2020. Que vai acabar logo ali, afinal agosto acabou. Logo, o ano está acabando.

 

Esperamos que 2021, com ou sem vacina, seja melhor.

 

Com menos histeria.


Que saiamos de 1918 e cheguemos sãos e salvos ao século 21.


E que as crianças voltem às aulas bem antes disso.


Até.

 

 

quarta-feira, setembro 09, 2020

Crônicas de uma Pandemia – Cento e Setenta e Nove Dias

Eu sou a favor da volta às aulas.

 

Mas entendo perfeitamente o resultado de uma pesquisa divulgada há poucos dias e que informa que cerca de 80% dos pais só quer voltar às aulas quando houver uma vacina disponível. Se eu baseasse minhas opiniões no que eu leio/ouço/vejo nos meios de comunicação ou mídias sociais, eu ainda estaria dentro de casa, vestindo um escafandro, com medo embaixo da cama. Porque é exatamente isso o que estão nos levando a pensar/fazer, de que – ao abrirmos a porta de casa – seremos atingidos por uma quantidade gigante de vírus que estão por aí e vamos morrer na hora.

 

Essa é, também, uma pandemia de desinformação.

 

Ou, para ser moderno, fake news

 

Até já falei isso em algum momento, nesses últimos seis meses (!) de pandemia aqui no Sul do Mundo. Essa é a primeira pandemia que temos informações (e desinformações) em tempo real. Para o bem, e para o mal. Quase ninguém sabe nada, e quase todos acham que sabem tudo (como é típico das redes sociais).

 

Sobre as aulas, sobre as crianças.

 

O que temos de dados sobre crianças e coronavírus?

 

Estudo publicado recentemente sobre casos que internaram no Reino Unido na pandemia. Entre janeiro e julho de 2020, em 260 hospitais da Inglaterra, Escócia e País de Gales, houve cerca de sessenta e nove mil e quinhentas internações hospitalares. Destes, em 138 hospitais foram internadas 651 pacientes com menos de 19 anos com diagnóstico confirmado de coronavírus (0,9% do total). Dos que internaram (651) e temos que lembrar que quem interna por princípio é um caso moderado a grave, 6 morreram (0,009% se calculei certo) de todos que internaram. Mais, todos os que infelizmente morreram tinham doenças (comorbidades) graves.

 

Também por isso sou favorável que as crianças voltam às aulas.


Não é necessário (imagino) falar do prejuízo que elas estão tendo pela falta de convivência com colegas, pela socialização. Pela ansiedade, por estarem “presas em casa”.

 

Saindo da bolha dos que realmente podem ficar em casa e ter aulas online, quantas crianças estão ficando em “creches” clandestinas, sem os menores cuidados sanitários, porque seus pais precisam trabalhar para sobreviver, vemos o quão importante é esse retorno. Sem falar na hipocrisia dos que não querem que seus filhos vão para a escola mas levam aos shoppings, praias, pracinhas, etc. Nada contra que os levem, mas vamos ser coerentes.

 

Vamos nos informar nas fontes adequadas. 

 

E os professores, você pode perguntar. Aqueles de grupo de risco, devem permanecer trabalhando de casa, sem dúvida nenhum. Assim como em todas as outras atividades, proteger grupos de risco. Os outros, com cuidados e protocolos, devem voltar, em minha opinião (e sou mais um dando “palpite”, eu sei).


Existem riscos? Sempre. Nossa função é reduzi-los o máximo que conseguirmos. E seguir a vida.

 

Mas educação não parece prioridade. Restaurantes, comércio e atividades de lazer devem estar a frente da educação? Todos têm seu pleito justo, mas não devemos deixar desinformação e política prejudicar – mais uma vez – o futuro de nossas crianças.

 

O que, em suma, é o futuro do país. 


Até.

domingo, setembro 06, 2020

A Sopa

(Crônicas de uma Pandemia – Cento e Setenta e Seis Dias)

Uma oportunidade perdida.


Já falei sobre o assunto anteriormente, mas sob outro enfoque. À época, escrevi sobre o Presidente, que havia perdido a chance histórica de ser o líder que conduziu o país durante a famosa pandemia de 2020, de ser quem uniu o país contra o inimigo comum, o coronavírus, mas que ele havia encolhido de tamanho durante essa crise.

 

Desde lá, ele falou menos, e – se não é o grande estadista que poderia ter sido – ao menos o seu governo vem trabalhando razoavelmente bem nesse período, com todas as dificuldades impostas pelo politizado STF e pela oposição do quanto pior melhor, e só não vê isso quem tem o olhar enviesado pelo rancor contra o governo. Até porque são os governos locais, estados e municípios, que têm a palavra final na hora de definir protocolos, restrições e fechamentos.

 

Mas não é de governos que quero falar.

 

Quem vem perdendo ainda mais durante a pandemia não é o Bolsonaro, apesar do que muitos podem pensar. Nem mesmo a esquerda, por mais que tente sabotar o país em prol de recuperar o poder perdido nas últimas eleições, “golpe” (no sentido de luta de boxe) ainda não assimilado. Também não são os empreendedores, os autônomos, ou os trabalhadores de empresas privadas. O grande perdedor é outro.

 

A grande mídia.

 

A oportunidade rara de recuperar sua credibilidade surgiu no início da pandemia, quando teve a chance de veicular informações baseadas em fatos, análises isentas e fazer prestação de serviços. Poderia sair da crise sendo respeitada como fora outrora. Lucraria muito com isso. Era a chance de ouro. 

 

Mas foi desperdiçada, com exceções, claro.

 

A oposição sistemática e quase irracional ao governo federal foi determinante para isso. Distorcer informações sempre com um viés contrário, a politização de temas médicos (que todos fizeram, lamentavelmente), tudo serviu para afundar muito mais a reputação de determinados grupos de comunicação e de jornalistas. Jornalistas comentando e jornais publicando estudos científicos conforme esses estudos reforçassem suas teses e ignorando aqueles que as contrariassem foi apenas um dos “vexames” que testemunhamos nos últimos meses. O mais recente foi sobre a declaração do Presidente de que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”.

 

Foi um escândalo. “Especialistas” chamaram o Presidente de militante anti-vacina, dizendo que ele prestou um desserviço, que isso pode prejudicar a adesão à vacinação, etc. Uma nova crise estava criada.

 

Gostem ou não, ele estava certo ao afirmar isso.

 

Eu sou totalmente favorável às vacinas. Aliás, eu indico vacinas todos os dias no consultório, para gripe (influenza) e para a pneumonia. É parte do meu trabalho. Acho criminosos os pais que não vacinam seus filhos, inclusive. E até fui candidato voluntário (apesar de não selecionado) ao estudo com a vacina para o coronavírus. Em outras palavras, sou um entusiasta das vacinas.

 

Porém, “só” o que posso fazer é exatamente isso: apoiar, recomendar, indicar as vacinas. Para os meus pacientes, para os meus familiares. Mas não posso obrigá-los, forçá-los. Tenho que, isso sim, orientar informar, justificar. Convencê-los de que fazer a vacina – seja ela qual for – traz mais benefícios do que riscos.

 

E só.

 

Se vão fazer ou não, é uma decisão de cada um. Enquanto estivermos lúcidos e com nossa capacidade de decisão preservada, temos o direito de decidir o que queremos fazer ou não. Os riscos que nos dispomos a correr, baseados nas informações que temos. Por isso a importância da informação correta.

 

Aí leio em um jornal local que as pessoas que optarem por não se vacinarem (um erro, na minha opinião) deveriam assinar um termo dizendo que abrem mão de serem atendidas em UTI caso adoeçam. Seria uma forma de arcar com a responsabilidade de sua decisão. 

 

Sério isso?

 

Vamos olhar de outra forma, com outro exemplo. O mesmo poderia valer para quem fuma, então? Aqueles que optam por fumar devem abrir mão do atendimento caso adoeçam (lembrando que cinquenta por cento – metade – daqueles que fumam vão morrer por uma doença causada pelo cigarro, enquanto aqueles que fazem formas graves são uma parcela bem menor dos casos de COVID-19)? Vamos determinar a cessação compulsória do tabagismo (por mais que a ideia me agrade, de novo, tudo o que posso fazer é recomendar, orientar e informar)?  

 

Nada é tão simples, tão rasteiro.

 

Mas para criar crises com o governo central, vale tudo.

 
Até.