domingo, dezembro 14, 2025

A Sopa

Ontem, mais uma vez, levei a Jacque e outras bailarinas até a cidade de Osório, litoral norte do RS, onde se apresentariam à noite. Saímos de Porto Alegre por volta das três da tarde, e uma hora depois as larguei no local da apresentação, que começaria às 18h. Assim que as deixei no local, segui em direção ao mar.

 

Cerca de trinta minutos separam Osório de Tramandaí e, cruzando a ponte, Imbé, praia de minha infância e adolescência. Desde que meus pais venderam a casa, há mais de dez anos, de tempos em tempos, ao passar por lá, me sentia compelido a passar lentamente por aquele trecho da Av. Rio Grande onde nós – a Turma do Muro – vivemos grande parte de nossas histórias, como se estivesse visitando um templo à memória do (meu, nosso) passado.

 

Isso até há dois anos.

 

Da mesmo forma que ontem, havia levado as bailarinas até Osório e seguido para Imbé, para o ritual da passagem por lá. Estacionei o carro, andei um pouco observando as casas, ou o que havia restado delas comparando com minha memória. O que não estava abandonado ou malcuidado, estava diferente do que era. Senti, naquele momento, que algo terminara, algo morrera em mim. Aquele lugar não era mais o Imbé de minhas memórias.

 

Porque as pessoas não estavam lá.

 

Meus pais, o Neni, o Titico, o Vitor, a Stefania, o Adriano, o Beto, o Fernando, o Julinho. O Rafa, a Tati, a Carla, a Milene, a Florence. Ninguém mais estava lá. Eu não estava lá. A vida seguira seu fluxo habitual, e o que era o nosso país, a nossa Terra do Nunca, agora era um cemitério de minhas memórias.

 

Percebi que havia acabado, e não fazia mais sentido voltar.

 

Ontem, então, voltei ao litoral, até passei em frente à nossa antiga casa, mas não mais me diz nada. Fui até a praia, estacionei o carro e, pés descalços, fui caminhar com o pés na água. Sol, céu azul. 

 

Pensei em 1985, quando terminei o ensino fundamental (primeiro grau), em 1995 quando já era médico residente, em 2005 quando morava em Toronto, em 2015 quando estava terminando meu segundo mandato como Presidente da Sociedade de Pneumologia do RS e em 2025, quando estou onde deveria estar e sou quem eu sempre achei que deveria ser.


Até.