Domingo chuvoso.
E chove...Uma goteira, fora,
Como alguém que canta de mágoa
Canta monótona e sonora
A balada da pingo d’água
Chovia quando foste embora
Toda vez que chove, toda vez que olho para fora de onde estou e vejo a chuva caindo, inevitavelmente declamo mentalmente o poema acima, de Ribeiro Couto e musicado por Villa-Lobos, que conheci/aprendi – o poema - em 1988, quando estava no terceiro ano do ensino secundário, o atual ensino médio. Há quase quarenta anos.
A passagem do tempo, e a memória, continuam a me fascinar. Como, quais critérios inconscientes utilizamos na hora de guardar, às vezes para sempre, na memória determinados episódios, fatos ou sensações. Como selecionamos – ou são selecionados – essas situações, boas ou ruins, que ficarão conosco até o momento em que perdemos de vez nossa memória, nossa identidade?
Não tenho essa resposta, mas imagino que as emoções envolvidas no momento do ocorrido possam ter alguma relação com isso. Felicidade, empolgação, vergonha ou raiva, por exemplo. Situações em que nos sentimos ridículos perante outros podem ficar marcadas e não as esquecermos. Me pergunto se seriam trauma se atrapalhassem nossa vida atual, diferente daquelas situações parecidas de que lembramos de tempos em tempos, mas não estão presentes no nosso dia a dia. Sei lá.
Podem, claro, precisar de um tempo, maior ou menor, para se tornarem memória sem interferência no presente, para serem processadas e colocadas em um local em que possam ser lembradas e não produzam nenhum tipo de sensação ruim como quando do acontecimento.
Assim é com lugares, pessoas e músicas.
Há lugares em que vivemos, e pessoas que passam por nossas vidas que deixam marcas de experiências, boas ou não, por um período bem significativo. Com o tempo, então, não as esquecemos, mas passamos a lembrar delas apenas como fatos passados, não mais associados a algum tipo de emoção. Quanto mais vivemos, mais dessas experiências e vivências temos.
Isso é um pouco diferente quando falamos de música.
Elas também podem passar, podem também não estar mais no nosso dia a dia, no sentido de – por qualquer razão - não ouvirmos determinadas músicas com frequência, mas sempre que as ouvirmos estarão associadas a uma emoção, e a mesma emoção associada a momentos vividos em que elas serviram de alguma maneira como trilha sonora. Como quando embalaram esses momentos que vivemos.
Mais fantástico ainda – e falo do que sinto – é o efeito máquina do tempo que determinadas músicas, ouvidas em determinados momentos, tem de me fazer voltar ao passado, de sentir como se estivesse naquele momento exato em que ela foi significativa, quando imprimiu uma marca indelével em minha memória. Que permanecerá talvez até quando eu não lembre mais quem sou, mas certamente lembrarei de quem fui e o que ouvi.
E isso é forte.
Até.