domingo, setembro 08, 2024

A Sopa

Eu só tomo café ruim.

 

Antes, uma história que não é original porque já contei para muita gente e talvez até tenha escrito por aqui, não importa. O fato é que quando morei em Toronto, há vinte anos, ao estabelecer uma rotina de trabalho, de ser o primeiro do laboratório a chegar por volta das 8h30, nos reunirmos para um café por volta das 9h, e fazer um intervalo para um novo café por volta das 10h30 e assim o dia seguia. Esse café do segundo intervalo da manhã (quando não tinha ambulatório e pacientes) era comprado no Tim Hortons, rede de cafés canadense, que tinha um quiosque no térreo no Toronto Western Hospital. Pedia sempre o mesmo, café com leite, adoçante. E voltava para o meu posto de trabalho para continuar a manhã, estudando ou trabalhando em projetos do momento. Todos os dias. O mesmo café. 

 

Sou um cara apegado à rotina.

 

Corte no tempo.

 

Voltei ao Brasil ao final do pós-doutorado e tive a oportunidade de ir a um congresso em Toronto dois anos depois da minha volta. A chegada, após o voo de SP para Toronto em classe econômica e não ter dormido quase nada, foi da estranha sensação de voltar no tempo, ou estar preso em um sonho estranho. De qualquer forma, após checkin no hotel, fui passear, inclusive indo no hospital e encontrando alguns velhos conhecidos. Também, como parte do momento nostálgico do meu retorno ao Canadá, decidi tomar um café no Tim Hortons próximo ao hotel onde eu estava, no Downtown.

 

Foi horrível.

 

Era muito ruim. Como posso ter passado dois anos tomando aquele café e gostando, me perguntei, e sei que foi porque – sim – me acostumei a ele, a ponto de em minha memória eu gostar. Esse o risco de vivermos/trabalharmos em relacionamentos ou situações não agradáveis. Podemos nos acostumar e até pensar que estamos gostando (ou até mesmo passar a gostar!). Temos que ter esse cuidado, esse discernimento. 

 

Mas falava que só tomo café ruim.

 

Sim, é verdade, e o mesmo acontece com relação a vinhos. Não quero experimentar os de melhor qualidade porque ao conhecer o que é realmente bom, e voltar a tomar o de antes, normalzinho, do dia a dia, vou saber que ele não é tudo aquilo que eu pensava, e vou gastar muito mais para manter o hábito de tomar os melhores cafés e grandes vinhos. Simples assim. 

 

Certo, não é assim, confesso.

 

Mas poderia ser.


Até. 

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