quinta-feira, março 24, 2005

Jô Soares e o imbróglio na Flórida

(Antes de mais nada, terminei de publicar a história dos Perdidos na Espace, no blog de mesmo nome. Começa aqui, em outubro, e vai até a semana passada. Com fotos e tudo. Em breve, comecerei a publicar a próxima viagem, chamada ‘Natal na Neve’)

Sempre lembro daquele personagem do Jô Soares que – ao ouvir notícias do Brasil – dizia “me tira o tubo”. É pensamento que tem sido recorrente nos últimos dias.

Se é assim, se é assassinato, me matem, por favor.

Vou deixar bem claro: se porventura algum dia eu estiver nas mesmas condições da americana Terry Schiavo, façam-me um favor, me deixem morrer em paz. E aposto que se ela pudesse, de alguma forma, se manifestar sobre o assunto, ela diria o mesmo que eu.

Essa discussão, que se arrasta há anos, e que agora chegou a ponto de causar toda essa confusão, com pessoas sendo presas por tentar dar pão e água para ela, o congresso americano se reunindo num final de semana para afrontar a justiça do estado da Flórida - que já decidira a questão - ao aprovar uma lei transferindo a jurisdição do caso para a justiça federal, e o presidente Bush interrompendo suas férias para sancionar essa lei, é muito complicada porque mistura, além das questões pessoais, da família e do marido, também política, religião, e ciência. Ou seja, vale a regra: quando muitos falam muito, acabam falando bobagens.

Há dias queria falar disso, mas me sentia algo desconfortável. Para que me envolver em um assunto que envolve convicções religiosas, onde a possibilidade de angariar antipatias e revoltas é grande? Exatamente porque não é uma questão religiosa, nem política. E se todos estão dando palpite, afinal de contas, por que eu também não posso fazer isso?

Primeiro, saibam todos: sou a favor da vida, sempre.

O que acontece é que não é isso o que está em jogo neste caso. Pobre dessa mulher, mas ela morreu há 15 anos. Apesar de respirar espontaneamente, fazer movimentos e até aguns ruídos, me parece, ela não tem vida de relação desde então. Ou seja, não fala, não ouve, não vê, não pensa.

Após a parada cardíaca, depois de alguns minutos em que o cerébro fica sem receber sangue (oxigênio), ocorre lesão cerebral que é mais grave quanto maior o tempo até a reanimação. No caso dela, foram cerca ou mais de cinco minutos, o que provocou lesão cerebral irreversível, deixando ela em estado vegetativo permanente. Pode até respirar sozinha, se movimentar espontaneamente, mas não existe mais nada.

Isso não é morte cerebral, mas o efeito, em termos de vida de relação, é o mesmo. Em nenhum momento vai haver recuperação. Existem casos de coma prolongado em que os pacientes até podem se recuperar. É diferente, também, dos casos de trauma agudo, que se recuperam até sem seqüelas, meu caso, apesar de algumas pessoas levantarem dúvidas sobre eu ter ficado com seqüelas ou não, mas isso é outra história…

Voltando ao caso, ela está em estado vegetativo há quinze anos. A alimentação e hidratação são feitos através de uma sonda, que é o que foi retirado.

Isso é vida, eu pergunto, e esclareço que acho que não. E o pior, estão tirando o direito dela, como ser humano, de morrer dignamente. O que aliás já era para ter acontecido desde 1998, mas aí começou a batalha judicial com os pais dela. E, pior, depois de cinco anos de discussão nos tribunais, o legislativo da Flórida aprovou a “Terry’s Law”, uma lei permitindo que o governador Jeb Bush, irmão do presidente, passasse por cima da decisão da justiça e ordenasse a reinserção do tubo, que havia sido retirado por ordem da justiça. Lei essa que foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte da Flórida.

Direito à vida? Que vida que essa mulher tem?

E o que o congresso americano e o presidente tem a ver com o assunto?

Nada, exceto uma tentativa hipócrita de “fazer uma média” com setores mais conservadores da sociedade americana. Quando tinham que estar se preocupando com o sistema de saúde, o Medicare, e com a previdência social, ambos em situação de risco, passaram o final de semana discutindo um caso que não lhes dizia respeito.

Lamento dizer, mas também não é uma questão religiosa. E por isso não vou comentar o que estão dizendo sobre isso desse ponto de vista.

É uma questão médica, e humana.

Deixem essa pobre mulher morrer em paz.

2 comentários:

Lucix disse...

Lamentável esse bando de politicos (e outros bandos) querendo tirar vantagem em cima do drama dos outros.
Concordo com vc, deixem a mulher morrer em paz!

Anônimo disse...

Seqüelas físicas acho que tu não tiveste, mesmo. Mas quem te conhece desde aquela época, conhece o antes e o depois, sabe que tu ficou um pouco diferente. Mais sério, introspectivo. Quem sabe foi porque tu viu um pouco do outro lado.
Um abraço
Vitor.