Eu me formei há trinta anos, mas só me tornei médico de verdade há não muito tempo, devo dizer. E tenho sido cada vez mais médico, afirmo com convicção.
Mesmo que eu não seja “apenas” médico.
Ser médico não é pouca coisa, assim como não é pouca coisa ser engenheiro, dentista, advogado, músico, poeta, ou qualquer outra atividade humana que requer dedicação e empenho para se alcançar domínio e habilidade. Por isso respeito qualquer profissão e, mais, qualquer ocupação. É o lance de que todas são importantes, todas são relevantes (e todas deveriam ser remuneradas adequadamente, mas não é o foco dessa discussão).
Sabendo que ser médico não é pouco, e conhecendo tudo o que é necessário para exercer esse ofício, toda a longa trajetória para tornar-me um, mesmo assim nunca me imaginei sendo somente médico, e coloca-se aspas no ‘somente’. Achava que poderia ser mais, fazer mais.
Provavelmente por isso, por querer deixar possibilidades em aberto, potenciais vias alternativas à disposição para uma possível mudança radical de rota, demorei a me dedicar como deveria a ser médico, no sentido de procurar fazer mais do que o trivial, se é que me entendem. Sempre estive a um passo de mudar, de saltar fora. E por isso, à época, o meu crescimento profissional estava limitado, responsabilidade minha. Demorei a “deslanchar” na profissão.
Houve um momento de virada, uma mudança de foco e perspectiva e houve um crescimento exponencial, que me levou a lugares que eu não imaginava em termos profissionais. Foi muito legal. Acumulei funções e atividades diversas, ocupando meu tempo em sua quase totalidade. Deslocamentos e viagens frequentes. Roda viva. Pouco tempo para ser médico mesmo, vendo pacientes.
Até que ocorreu um movimento de retração, como parte do ciclo de expansão e retração que é a vida, o que coincidiu com a pandemia, e reduzi muito a diversidade de funções que exercia. Passei um tempo, então, como médico apenas, meu consultório, os pacientes e eu. E foi bom. E melhorou com o passar do tempo, mesmo que eu tenha uma vez mais assumido/acumulado novas funções. Cada dia me via mais médico. E quando eu me tornei mais médico do que jamais fora antes, surgiu o momento de expandir meu mundo para além da medicina. Assim o fiz, e ainda faço e - veja só - vou fazer mais.
O medo surgiu de que eu pudesse estar me retraindo, me tornando menos médico, ou me dedicando menos, ou me interessando menos pela medicina. Confesso que houve a dúvida, em mim e imaginei que na percepção que os outros poderiam ter da minha relação com o fato de ser médico.
Não tenho mais.
Qualquer dúvida se dissipou quando me percebi em uma sexta-feira final da tarde explicando o tratamento da asma para um paciente, e escrevendo e desenhando para melhor entendimento, e saindo do consultório feliz por ter esclarecido o paciente e o ajudado, e ajudado e confortado outros.
Como disse, nunca fui tão médico quanto hoje, quando também sou empreendedor, escritor e músico. E mais ainda, o que um dia desses eu conto...
Até.