Sobre o que é realmente importante.
Anos atrás, quando eu trabalhava na indústria farmacêutica, costumava viajar pelo Brasil para dar aulas de educação médica continuada. Eram viagens semanais, normalmente às quintas-feiras, porque às terças-feiras eu dava aulas na Universidade. Pegava um voo na quinta de manhã, dava aula à noite em algum restaurante e voltava na sexta-feira logo cedo a tempo de atender no consultório no mesmo dia à tarde. Normalmente funcionava bem.
Claro que, estando frequentemente em aeroportos, dependendo de companhias aéreas, meteorologia e sujeito a (muitos) potenciais problemas, enfrentei alguns contratempos nesse período, em termos de atrasos e cancelamentos de voos. Como sempre soube, poderia acontecer.
Houve uma vez, em especial, em que eu viajaria para dar uma aula em Florianópolis, bate e volta mesmo, voo curto, tranquilo. Porém, na semana em que ocorreria a viagem, havia a ameaça de greve geral que incluiria os aeroportos, com cancelamento muito provável de voos justamente no dia em que eu teria que voltar. Ao mesmo tempo, a Jacque estaria viajando e, conforme nosso plano, eu deveria voltar para ficar com a Marina, que tinha oito ou nove anos.
Por alguma razão que já não lembro, nenhuma das avós poderia ficar com ela naquele dia, então eu realmente precisava estar em casa pela Marina, eu tinha que ter certeza de que voltaria para casa na manhã seguinte à aula. Só que até a véspera da aula ainda havia o impasse, ainda havia a possibilidade forte de eu não ter como voltar para casa após o evento.
Conversei com a pessoa responsável pelo evento, expliquei a situação e disse que não poderia correr o risco de não voltar. Ele entendeu, e me comprometi a compensar em outro no momento. Tudo certo, imaginei.
Só que a greve não se confirmou.
Paciência, eu ia me redimir em um futuro próximo.
Passou o tempo, e um dia, em uma conversa difícil com uma gestora, entre outras coisas, ela trouxe o fato de eu ter sido o único que havia adiado o evento naquela vez. Tentei explicar o fato, e ela disse que eu devia saber minhas prioridades.
Silenciei.
Eu sabia, como sei até hoje, quais são minhas prioridades.
Aquele foi o momento em que soube que não ia durar muito mais tempo na empresa, mesmo sabendo que aquela não era a posição institucional, era a visão pessoal (e distorcida, na minha opinião) da pessoa que estava falando comigo. Decidi, quase que instantaneamente, que era hora de preparar minha saída.
Não precisava dizer mais nada.
Até.