domingo, agosto 18, 2024

A Sopa

Die Bremer Stadtmusikanten, os Músicos de Bremen, é uma fábula recolhida da tradição popular e que foi publicada a partir da segunda edição da coletânea Grimms Märchen, Contos de Grimm. Acho que todos conhecemos, de uma forma ou de outra, a história dos quatro animais domésticos que – ao atingir certa idade – são maltratados pelos donos, fogem para se tornarem músicos.

 

Eu lembro até hoje a versão dessa história, chamada ‘Os 4 Heróis’, da Coleção Disquinho, compactos em vinil que ganhei de presente não lembro com que idade, junto com uma vitrola, um pequeno toca-discos portátil. Ouvi infinitas vezes, a ponto de manter decoradas partes da história, como quando o burro encontra o cachorro, e o diálogo entre eles: 

 

- Olá, velho amigo cão, por que estás tão triste assim?  

 

- Se soubesses, camarada, terias pena de mim. Como estou velho e cansado, e não posso mais caçar, amanhã pela manhã meu patrão vai me matar...

 

Mesmo a versão dessas fábulas e contos de fadas sendo suavizadas ao longo do tempo (são de um tempo em que não eram literatura infantil), ainda sim há um ‘quê’ de crueldade nelas. E mesmo que não tenha sido esse o contexto da história original, me fez pensar na passagem do tempo, na inexorável passagem do tempo. Quando vamos ser "dispensados" por não sermos úteis, por não termos serventia? Será que isso acontecerá?

 

Pois então.

 

Conversava, dia desses com uma amiga quando ela comentou, a respeito de seu aniversário próximo, que estaria “completando quarenta anos!”, assim, com uma exclamação de surpresa, ou como se fosse um marco do início do fim (essa última uma interpretação minha). Como uma daquelas pessoas que sempre têm que fazer qualquer assunto sobre si mesmo, e um exemplo disso é aquele que sempre tem uma doença pior que a tua, ou um acontecimento de sua vida que é mais ou é maior do que a teu, comentei que – olha só – estava mais perto dos sessenta que dos trinta. “Não!”, corrigi: percebi que estava mais perto dos sessenta anos do que dos quarenta, que ela completaria em breve.

 

Foi falar isso e saber que precisaria escrever sobre esse tema.

 

O mesmo tipo de pensamento que eu tive e contei acima deve surgir (ou não) para algum dos integrantes do grupo com quem almoço de duas a três vezes por semana, em que – conforme o dia – eu sou mais novo. Alguns foram meus professores no curso de Medicina, e estão chegando ou já passaram dos oitenta anos. A média de idade é mais baixa que isso, mas não muito. Digo que não sei se o pensamento “o tempo está passando” surge também com frequência para outras pessoas assim como surge comigo. E penso que pode ser que eu não tenha (ainda) a maturidade suficiente, ou a resignação de saber (racionalmente eu sei, contudo) que é assim que as coisas são, aceitar que uma boa parcela do meu tempo já passou e que tenho menos tempo à frente do que tenho para trás. Sei, entretanto, que “perder tempo” com esses pensamentos é – de certa forma – bobagem. O tempo é agora, o que faço (fazemos) agora. 

 

O passado e o futuro não existem, o que temos é o agora, o dia de hoje. É quando podemos agir da forma que acharmos mais adequado. Mesmo que eu, com certa regularidade, evoque lembranças de outros tempos (e outras pessoas), sei que o que realmente importa e vale é o presente. Respeito minha história, sei o que quero para minha vida, mas tudo o que possuo é o agora, e é onde vivo (ou procuro viver, reforço esse ponto). Lembro do que escreveu Herman Hesse: “Evoque o passado, evoque o futuro: ambos estão em você. Até hoje você foi escravo do seu interior. Aprenda a ser o seu senhor. Isto é magia”.

 

Pareço um desses coachs, eu sei.

 

Não tem problema, porque eu falo de mim e para mim. Não tenho a pretensão de ensinar nada a ninguém. Cada um sabe de si, cada um tem suas próprias questões, sua própria vida.

 

E está certo, está tudo bem. 


Até. 

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