A desigualdade social no Brasil, e a incapacidade do estado de prover necessidades básicos aos cidadãos, gera muitas distorções, é claro e sabido. Mas muitas vezes nem nos damos conta desses desvios do que deveria ser o normal.
Vinha pensando nisso desde que me lembrei quando, há praticamente quinze anos atrás, após um acidente de carro, fiquei internado durante vinte e poucos dias num hospital, os primeiros treze numa UTI em coma, e depois num quarto de enfermaria. Naquela época, internado pelo que agora chamam de Sistema Único de Saúde, tive a opção de ficar num quarto privativo (que de privativo não tinha nada, pois vivia cheio de gente – meus colegas, família e amigos – o tempo todo) pagando por isso.
Era a chamada diferença de classe. Podia-se optar por um tratamento diferenciado mas pagava-se a diferença do quarto para o hospital e para o médico, que atendia como se estivesse particular. Mas o Brasil acabou com essa possibilidade. Se não me engano por causa da Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”, que dizia serem todos iguais perante a lei, e então não era correta essa “diferença de classe”.
O que aconteceu, então, foi que a diferença acentuou-se, o SUS bem embaixo e os convênios e os particulares (cada vez mais raros) lá em cima. Aumentou a desigualdade. A prática comum agora é que quem tem condições, contrata um plano de saúde (ou tem de onde trabalha) e o “resto” sem condições, fica com o SUS, com todos os problemas que ele tem: poucos postos de saúde, poucos e mal-remunerados médicos, falta de equipamentos. Isso na “periferia”. Nos hospitais terciários que atendem SUS – como os universitários – o atendimento é ótimo, mesmo que às vezes a hotelaria deixe a desejar, mas o problema é conseguir chegar lá, entrar no sistema.
Enquanto isso, quem pode ter um plano de saúde, consulta com seus médicos, tem pronto-atendimento à disposição, etc. Que bom para eles (nós, eu também tenho), mas isso é claramente uma distorção. Não deveríamos ter que pagar mais do que já pagamos em impostos para ter acesso à saúde. Só que já está tão impregnado em nossa cultura que nem percebemos.
Mudemos para o Canadá, então. Aqui, o sistema de saúde não é perfeito, todos sabem, mas o princípio é – na minha opinião – o mais correto. Médicos de família, que, quando precisam, encaminham para o especialista. Tudo bancado pelo governo. Saúde pública, não privada. Todos iguais. Sim, sei que há falta de médicos, filas de espera para alguns tipos de cirurgia, etc. Mas esses são problemas muito mais fáceis de corrigir do que o oceano que separa que pode e quem não pode no Brasil.
Não tem sentido ficar comparando, vocês podem falar, e concordo e nem gostaria de fazer isso, mas não resisto.
É que tem gente que enche a boca para dizer que o sistema daqui muito ruim, no Brasil é melhor, etc. Aí acho que tenho que falar. Não porque tenho que defender um lado ou outro. Porque alguém precisa dizer a verdade.
As pessoas que estão imigrando para o Canadá tem que saber que elas estão vindo para um país diferente do Brasil, onde as pessoas são mais respeitadas pelo sistema do que no Brasil, onde todos são “mais iguais” em muitos sentidos. Aqui, a coisa vai ser diferente, e começa por isso.
Até.