terça-feira, julho 12, 2005

São Paulo, que manda em nós

Por Luís Augusto Fischer*

Não é só no plano da cultura que São Paulo manda em nós, os periféricos, os que vivemos em qualquer dos estados brasileiros. Agora estamos assistindo a um festival de provas sobre o quanto nós todos pagamos, na política, por uma mesma manha histórica, a supercentralidade de São Paulo. É coisa construída ao longo do tempo. São Paulo era uma província secundária (hoje continua uma província secundária, mas apenas no sentido negativo das palavras), que emitia gente em busca de esmeraldas, ouro e índios, até que chegou o café, que se deu bem em suas terras vermelhas, e o Brasil rumou para a República, já sob patrocínio dos cafeicultores paulistas. Dali por diante cresceu, inventou a indústria moderna brasileira em larga escala, centralizou a força econômica, formulou o Modernismo e agora, com FHC e Lula, chegou ao poder.

Um dos desdobramentos ideológicos desse processo foi que os valores de São Paulo, por suas elites mentais e suas instituições, passaram a ser tomados como sendo os valores do Brasil como um todo. O exemplo mais evidente disso é o valor absoluto atribuído ao Modernismo paulista, aquele da Semana de Arte de 1922, que 10 em 10 alunos da escola brasileira acreditam tolamente ter sido uma revelação sem a qual nós estaríamos ainda andando de quatro e comendo capim em matéria estética. Trata-se de uma crença construída historicamente pela centralidade de São Paulo, que ao mesmo tempo se colocava no miolo da história, passava a julgar todos os outros modernismos pela sua régua específica (como se outras alternativas de vanguarda não tivessem existido ou não tivessem direito à existência) e condenava tais alternativas ao plano do desinteresse, senão ao da inexistência. Que o digamos nós, periféricos sulinos, que até hoje não sabemos ler os modernistas daqui - não apenas Augusto Meyer, mas Tyrteu Rocha Vianna, Ernani Fornari, Armando Albuquerque e tantos outros.

Agora, a crise do PT e do governo Lula estampa mais uma vez a mesma coisa. Para entender o que está passando, é preciso perceber que todos os pró-homens lulistas e petistas são paulistas, exatamente. Gente formada naquele sindicalismo mafioso dos megasindicatos e das centrais sindicais, gente pragmática que aceita a corrupção em nome de um suposto bem maior, gente que não tem pejo de desconsiderar tantas e tão profícuas experiências políticas e administrativas da esquerda de outras partes do país, gente enfim que universaliza suas mazelas como se fossem naturais para todo mundo - essa gente é que está no centro do problema agora. Não fugir a esse debate pode ser um passo adiante nessa crise.


* Luís Augusto Fischer, 45, é professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e escritor.

(Esse texto saiu originalmente no jornal Zero Hora de hoje, 12/07/2005. O autor concordou em ceder o texto como colaboracao ao ‘A Sopa no Exilio’)

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