quarta-feira, julho 27, 2005

Aqui o papo é outro

A desigualdade social no Brasil, e a incapacidade do estado de prover necessidades básicos aos cidadãos, gera muitas distorções, é claro e sabido. Mas muitas vezes nem nos damos conta desses desvios do que deveria ser o normal.

Vinha pensando nisso desde que me lembrei quando, há praticamente quinze anos atrás, após um acidente de carro, fiquei internado durante vinte e poucos dias num hospital, os primeiros treze numa UTI em coma, e depois num quarto de enfermaria. Naquela época, internado pelo que agora chamam de Sistema Único de Saúde, tive a opção de ficar num quarto privativo (que de privativo não tinha nada, pois vivia cheio de gente – meus colegas, família e amigos – o tempo todo) pagando por isso.

Era a chamada diferença de classe. Podia-se optar por um tratamento diferenciado mas pagava-se a diferença do quarto para o hospital e para o médico, que atendia como se estivesse particular. Mas o Brasil acabou com essa possibilidade. Se não me engano por causa da Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”, que dizia serem todos iguais perante a lei, e então não era correta essa “diferença de classe”.

O que aconteceu, então, foi que a diferença acentuou-se, o SUS bem embaixo e os convênios e os particulares (cada vez mais raros) lá em cima. Aumentou a desigualdade. A prática comum agora é que quem tem condições, contrata um plano de saúde (ou tem de onde trabalha) e o “resto” sem condições, fica com o SUS, com todos os problemas que ele tem: poucos postos de saúde, poucos e mal-remunerados médicos, falta de equipamentos. Isso na “periferia”. Nos hospitais terciários que atendem SUS – como os universitários – o atendimento é ótimo, mesmo que às vezes a hotelaria deixe a desejar, mas o problema é conseguir chegar lá, entrar no sistema.

Enquanto isso, quem pode ter um plano de saúde, consulta com seus médicos, tem pronto-atendimento à disposição, etc. Que bom para eles (nós, eu também tenho), mas isso é claramente uma distorção. Não deveríamos ter que pagar mais do que já pagamos em impostos para ter acesso à saúde. Só que já está tão impregnado em nossa cultura que nem percebemos.

Mudemos para o Canadá, então. Aqui, o sistema de saúde não é perfeito, todos sabem, mas o princípio é – na minha opinião – o mais correto. Médicos de família, que, quando precisam, encaminham para o especialista. Tudo bancado pelo governo. Saúde pública, não privada. Todos iguais. Sim, sei que há falta de médicos, filas de espera para alguns tipos de cirurgia, etc. Mas esses são problemas muito mais fáceis de corrigir do que o oceano que separa que pode e quem não pode no Brasil.

Não tem sentido ficar comparando, vocês podem falar, e concordo e nem gostaria de fazer isso, mas não resisto.

É que tem gente que enche a boca para dizer que o sistema daqui muito ruim, no Brasil é melhor, etc. Aí acho que tenho que falar. Não porque tenho que defender um lado ou outro. Porque alguém precisa dizer a verdade.

As pessoas que estão imigrando para o Canadá tem que saber que elas estão vindo para um país diferente do Brasil, onde as pessoas são mais respeitadas pelo sistema do que no Brasil, onde todos são “mais iguais” em muitos sentidos. Aqui, a coisa vai ser diferente, e começa por isso.

Até.

6 comentários:

Anônimo disse...

Pois é... estive em frente daquela porta do teu quarto do São Lucas,com a mão pronta para abrir-la, mas de repente não tive coragem de entrar e voltei...sei lá... faz tempo que me arrependo... devia ter sido mais corajosa e ter ido te dizer o quanto torcia por ti!!!Será tarde para dizer o quanto queria que tudo ficasse bem?? G.

Luly :) disse...

Sei bem do que fala... Irrita ver o povo comparando o sistema privado do Brasil com o público do Canadá. O povo aqui nem se toca que paga duas vezes pelo mesmo 'produto'... pq é assim com tudo: saúde, educação, previdência... Somos privilegiados de poder pagar duplamente por tudo isso, mas não é nada justo!

Bjo pro cê!

Luly :)

PS: Viu como seu e-mail sobre partos gerou polêmica no grupo?! ;o)

Anônimo disse...

Realmente muitos brasileiros reclamam do sistema de saude aqui do Canada mesmo, beira o absurdo. Principalmente mulheres que deram a luz aqui, cesaria so em caso de risco para mae ou bebe, ja no Brasil eh opcional, marcada com antencipacao e estimulada por muitos medicos. Uma amiga teve bebe ano passado e queria muito parto normal, a medica dela incentivou muito ela a fazer cesaria, tipo dizendo que a cabeca do bebe era muito grande, que era sofrido e demorado, nao foi incentivar foi apavorar mesmo, ela fez a cesaria e passou muito mal com a pos-cirurgia. Os medicos ganham mais por cesaria, nao precisam ficar horas a disposicao para quando o bebe "decidir" sair e assim por diante. Eh triste ver essa realidade, mas eh tao normal que nem pensamos o quao anti-etico deve ser isso nao?! Logico que isso foi um caso e nao gosto de falar "mal" de nenhuma classe profissional ainda mais da sua pois conheco seu carater e sei da suas preocupacoes com diferencas sociais e quanto vc (eu, todos acho) gostariamos de levar um pouco do Canada para o Brasil...

Anônimo disse...

Ja falei. Sistema de saude aqui e bom porque nao se paga, mas os medicos sao piores que os Brasileiros. Os Brasileiros que trabalham pro SUS nao tem PORCARIA nenhuma direito la e ainda assim se viram pra fazer o que podem. Mas em termos de recurso, o SUS e uma droga e todos sabemos disso. Aqui o pessoal e mais acomodado, sei la. Essa e a minha opiniao pelo menos, pode ser certa ou errada. Abraco!

Mirella Matthiesen (mikix) disse...

muito bom... gostedo post... concordo com vc...
Mas como "crasse média" sinto uma falta de ir ao especialista direto... nunca encontrei um medico de familia que conversasse comigo mais que 15 minutos... um saquinho!!!
Mas aqui nos states... putz, aqui é um roubo e as vezes acho que é pior que o Brasil :0).
bjs

Anônimo disse...

Pois é, Marcelo, vc está certo!
Eu conheço uma brasileira aqui que foi ter nenê no Brasil, porque não confia nos médicos daqui!

Eu já passei por operação aqui em Windsor e a unica reclamação que tive foi que o cirurgião era rude e ignorava minhas perguntas, o que abomino. A parte ruim é a dificuldade de se trocar de médico. Mas, de resto, foi tudo bem. E até enfermeira me visitando em casa por 7 dias depois da operação eu tive!!

Nada é perfeito, mas estou consideravelmente satisfeita com o sistema aqui.

Abraços,